De quem foi mesmo o golpe?, por Rodrigo de Castro


A destituição de um presidente de direita é impeachment; de esquerda, é golpe. Assim foi tratado o caso Paraguai pelos dirigentes do Mercosul: golpe contra Lugo, o que ensejou o enquadramento do país na cláusula democrática e sua suspensão até as eleições presidenciais.

Na mesma reunião, sem escrúpulos, aqueles dirigentes receberam, como membro, a Venezuela, a cujo ingresso o Paraguai era o único que não dera aval. Assim, Paraguai fora, Venezuela dentro do Bloco, ainda que tal decisão pudesse estar viciada e parecer manobra política.

E é essa a conclusão que se tira da sequência de fatos. Primeiro, desrespeitam a soberania paraguaia, classificando de golpe uma deposição realizada dentro do que prevê a Constituição. Lugo foi destituído por mau desempenho, causa legítima, de acordo com a carta magna paraguaia, tendo o processo sido conduzido pelo parlamento e referendado pelo Tribunal Superior de Justiça Eleitoral.

Causou estranheza sim o rito sumário. Em menos de 36 horas, Lugo estava deposto, sem prazo suficiente para defender-se. Contudo, não houve, no pós-impeachment, conturbação da ordem do país, tudo indicando que um tempo maior na tramitação do processo poderia não mudar a quase unanimidade verificada na decisão. Se isso não justificava a ausência do contraditório, também não poderia constituir suporte fático para a suspensão do Paraguai.

Segundo, paradoxalmente ao clima de paz vivenciado no Paraguai, lideranças do Bloco criam uma espécie de terrorismo contra o país, com ameaça de drásticas punições, como a expulsão e o isolamento comercial. Dilma, no embalo do ditador Hugo Chávez e da aspirante Cristina Kirtner, foi extremamente dura, falando inclusive em revisão do financiamento do BNDES para a construção do gasoduto que vai até Assunção.

Dilma ignorou que os brasileiros têm, com o Paraguai, uma relação distinta da que têm os demais vizinhos. Uma demonstração clara dessa relação – de simpatia e ajuda – foi a revisão do contrato de Itaipu, no início de seu governo, passando o Brasil a pagar mais de R$ 240 milhões anuais a mais, sem nada exigir de contrapartida – uma verdadeira doação financeira, para fortalecimento do recém empossado Lugo. Ignorou que temos a propriedade comum da Itaipu. Da cota do Paraguai na sociedade é que vem a energia consumida em todo o sudeste brasileiro. Dilma submeteu o Brasil a risco, uma vez que o nosso parceiro poderia retaliar, rompendo os contratos para vender, no mercado internacional, o excesso de energia que tem como sócio. Ignorou que temos uma balança comercial positiva: vendemos cerca de U$ 1,0 bilhão a mais do que compramos do Paraguai. E, neste momento de queda na das commodities, de redução das compras da China, de crise na Europa e de PIB declinante, não podemos perder nenhum parceiro com potencial comprador. Ignorou, ainda, que temos, vivendo no Paraguai, quase um milhão de “brasiguaios” que nenhum apoio vinha recebendo do governo deposto. A vida dos brasileiros naquele país sempre foi de dificuldade, sofrendo perseguição, violência e contínua ameaça de desapropriação.

Terceiro, afastam o Paraguai do Bloco e admitem a Venezuela, sem nenhum pudor quanto à negativa, àquele país, da oportunidade de defender-se. O mesmo colegiado que acusou aquele país de não respeitar o direito de defesa, decidiu unilateralmente isolá-lo, sem ouvir-lhe as razões. O rito sumário que condenaram, por ferir a democracia, foi o método de que contraditoriamente se valeram para resgatá-la. Agiram como carrascos executando a sentença “quem com rito sumário fere, com rito sumaríssimo é ferido”.

A demonização da queda de Lugo, exigindo exorcização do Paraguai, teve como objetivo inconfesso a admissão da Venezuela no Bloco, decidida por três de seus membros: Dilma, Cristina Kirtner e o uruguaio Jose Mojica.

Sem falar dos aspectos jurídicos e éticos, as lideranças do bloco cometeram grave erro político, tanto pelo tratamento não isonômico em relação ao que foi dispensado à Venezuela diante de reconhecidas práticas antidemocráticas, quanto pela perniciosa e incoerente articulação que desenvolveram sob o único argumento da velocidade com que se deu a deposição de Lugo.

O Brasil, 7º PIB do mundo, aliou-se à Argentina (27º), e à Venezuela (24º), para fustigar o Paraguai (103º). Efetivamente, perdeu o nosso país a oportunidade de exercer uma liderança política coerente com sua posição econômica e promover aquilo que é típico dos líderes e função do Mercosul, a harmonia e cooperação entre os países membros. Perdeu a oportunidade de assumir uma posição de conformidade com os nossos interesses e com a condição especial de parceria que nos une ao Paraguai.

Apesar de o Brasil, em alguns episódios, ter-se posicionado ao lado de países de regimes opressores, como no caso do Irã, o princípio da diplomacia brasileira é de respeito à soberania e não interferência nos problemas internos de outros países, como se viu no caso do Egito, Líbia e Síria. Nessas circunstâncias, o Brasil perdeu também a oportunidade de demonstrar coerência, altivez e independência, sem se deixar levar pela diplomacia venezuelana – que não é boa conselheira – ou pelos arroubos, nada também conselheiros, de nossa vizinha Kirtner. Perdeu a oportunidade enfim de, sem abrir mão da preservação da democracia no Continente, ter uma postura pragmática, que conciliasse interesses econômicos com irrestrita solidariedade ao povo paraguaio e incondicional defesa dos brasileiros que vivem naquele país.

O Paraguai errou quanto ao rito processual. Mas a desproporcionalidade da contrarreação que o alijou do Bloco, de forma igualmente sumária e sem espaço para defesa, não passa de pretexto ou manobra, a que – isso sim – se pode chamar de golpe.

(*) O deputado federal Rodrigo de Castro é secretário-geral do PSDB. Artigo publicado no jornal “Estado de Minas” em 12/07/2012. (Foto: Paula Sholl)

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12 julho, 2012 Artigosblog Sem commentários »

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