Viagem ao reino das carroças


É difícil ver benefícios para o consumidor com imposição de barreiras a veículos importados, avalia ITV

A Carta de Formulação e Mobilização Política desta segunda-feira (19) avalia as medidas anunciadas pelo governo Dilma Rousseff para, supostamente, proteger a indústria automobística nacional. Como destaca o Instituto Teotônio Vilela, a cada ano a indústria automobilística fatura mais, tanto em vendas no mercado interno quanto com exportações. “Ao invés de transformar esse vigoroso aumento de consumo em oportunidade para desenvolver a economia brasileira, o governo Dilma resolveu fechar as portas ao que vem de fora, novamente por meio de aumento de impostos. É difícil enxergar benefícios para o consumidor nacional a partir da imposição das novas barreiras”, diz o órgão de estudos políticos do PSDB. Leia a íntegra do documento:

A decisão de aumentar as alíquotas de IPI sobre os carros importados vai muito além de tentar resolver um problema conjuntural da indústria brasileira. Por trás da proteção ao nosso parque automobilístico, o governo mais uma vez ajuda um setor que bate recordes de vendas e trabalha com altas margens de lucro. Ao consumidor, sobrarão as carroças.

Válida até dezembro de 2012, a decisão da equipe econômica aumenta em até 30 pontos percentuais o IPI de veículos que não tenham pelo menos 65% do conteúdo produzido no país. As medidas podem contrariar as regras da OMC. O governo resolveu comprar a briga em nome do “interesse nacional”, mas a realidade mostra que pode não ser este o caso.

Para começar, não se pode dizer que a indústria automobilística esteja passando por uma crise. A partir de dados da Anfavea, “O Estado de S.Paulo” mostrou, no sábado, que o número de veículos nacionais licenciados e a receita com exportações cresceram neste ano (2,2% e 17,3%, respectivamente, em relação aos oito primeiros meses de 2010).

É verdade que também é vigorosa a entrada de importados. Até a semana passada, haviam sido emitidas licenças de importação para 860 mil automóveis, o equivalente a US$ 13,5 bilhões, e outros 660 mil veículos aguardam liberação, o que pode representar mais US$ 5,8 bilhões em compras.

Mas 75% desses automóveis estrangeiros são importados de fábricas das próprias montadoras. E o país do qual mais compramos é a Argentina, que, assim como o México, ficou livre das medidas restritivas, graças a acordos comerciais existentes. Ou seja, o aumento de IPI não os atinge.

Fato é que a indústria automobilística travou uma queda-de-braço com a gestão petista e levou a melhor.

Como parte do programa Brasil Maior, o governo havia acenado com a redução do IPI para as montadoras instaladas no país em troca de algumas contrapartidas, ainda que sem obrigação de repasse dos ganhos para o preço final. As empresas resistiram e agora ganharam benefício similar sem ter que dar nadinha em troca.

Não se cobrará das montadoras beneficiadas que invistam, por exemplo, na fabricação de veículos mais eficientes e menos poluentes. Nem que contratem mais trabalhadores ou sejam mais produtivas. Tudo considerado, é difícil enxergar benefícios para o consumidor nacional a partir da imposição das novas barreiras.

Não se deve esquecer que os veículos nacionais são muito mais caros se comparados aos similares importados. Por exemplo, um mesmo modelo do Gol é vendido por R$ 46 mil por aqui e R$ 29 mil no Chile. Nesse sentido, a medida do governo pode, inclusive, ter evitado uma possível queda de preços: as montadoras tinham excesso de estoques, que, para serem desovados, tendiam a ser vendidos mais baratos no varejo.

Uma das primeiras consequência do aumento do IPI é desestimular a chegada de novas montadoras ao país – a chinesa JAC Motors já suspendeu seus planos de investir US$ 600 milhões aqui. A complexidade de instalação de uma planta automobilística exige que, nos primeiros meses de operação, a importação das autopeças seja alta, quase sempre superior a 65%. Com os impostos lá em cima, tais empreendimentos ficam praticamente inviáveis.

A princípio, proteger nossas indústrias é algo que pode ser benéfico ao país. Mas, se não forem aplicadas com muito critério, medidas protecionistas podem trazer um enorme malefício ao consumidor.

Muitos hão de se lembrar que, até o começo dos anos 90, era gritante a diferença tecnológica e de preços de uma série de produtos brasileiros em relação aos importados: nossos carros eram verdadeiras “carroças” e computadores pessoais eram artigo de luxo. Dispunham ambos de uma nociva reserva de mercado.

“Foi a maior competição que obrigou montadoras a investir em equipamentos e trazer ao país inovações antes exclusivas de mercados mais desenvolvidos. A competição, somada a incentivos fiscais e expansão do crédito, catapultou a produção de veículos, de 860 mil em 1991 para quase 3,4 milhões de unidades, no ano passado”, recorda o Valor Econômico em editorial hoje.

Ou seja, quando a economia brasileira abriu-se, o panorama mudou rapidamente, para melhor. Passamos a ter acesso a artigos de alta qualidade e com bons preços. Para sobreviver, nossos empresários precisaram se modernizar. Barreiras protecionistas vão contra isso.

“Outros setores da indústria de transformação a partir de agora vão demandar tratamento semelhante e corremos o risco – principalmente o cidadão consumidor – de uma rodada importante de fechamento via impostos de nossa economia”, escreve Luís Carlos Mendonça de Barros no Valor hoje.

Se o governo acha a que a indústria enfrenta concorrência desleal, teria outras saídas que não aumentar impostos. Uma delas, abrir processos antidumping contra quem, em tese, age de má-fé. Outra, muito mais importante, seria proporcionar boas condições de competitividade.

Mas, com a nova elevação do IPI, o governo mostra que resolveu, novamente, lançar mão de medidas paliativas e recheadas de efeitos colaterais indesejáveis para enfrentar situações complexas. Na ótica petista, o que vale é o horizonte de curto prazo, onde políticas estruturantes de fôlego nunca têm vez.

(Fonte: ITV)

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19 setembro, 2011 Últimas notícias Sem commentários »

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