Artigo


Por trás da inflação

(*) Duarte Nogueira

O governo anterior sabia dos riscos da volta da inflação, mas preferiu recorrer ao velho receituário a adotar remédios mais eficazes

A inflação fechou 2010 em 5,91%, o maior índice dos últimos seis anos. É um alerta dos mais preocupantes. Além do poder corrosivo que tem sobre a renda do trabalhador, a inflação é como uma febre, que indica algo mais grave. Por reflexo, o Copom (Comitê de Política Monetária) fatalmente elevará as taxas de juros, já entre as maiores do mundo. Com dinheiro mais caro, o consumo se retrai e oferece menos riscos para a alta dos preços. Assim, tenta-se baixar a febre.

O problema de administrar um antitérmico sem uma investigação profunda sobre de qual doença se trata é que a febre pode voltar pouco tempo depois. É o que já está acontecendo. Com base no comportamento do ano passado, o mercado revisou a estimativa da inflação deste ano para 5,34%. A previsão anterior era de 5,32%. A oscilação pode parecer pequena, mas o risco está na tendência que ela sinaliza, de alta.

E a escada da inflação pode comprometer a estabilidade da economia, um dos pilares do crescimento que o país ostenta atualmente e cujo marco zero foi a implantação do Plano Real, em 1994. Com a inflação sob controle, o brasileiro finalmente conseguiu fazer planejamentos de longo prazo para comprar uma casa ou um carro financiados, iniciar um curso ou fazer qualquer outra aquisição que ele saiba que terá condições de pagar até o final. Abrir mão da estabilidade é uma irresponsabilidade.

O governo anterior, na verdade, sabia dos riscos da volta da inflação, mas preferiu recorrer ao velho receituário dos antitérmicos a adotar remédios mais amargos, porém mais eficazes, como o ajuste fiscal.

Foi empurrando com a barriga, aproveitando-se das boas condições estruturais da economia e de sua popularidade.
Agora, mesmo que o atual governo seja uma versão repaginada do anterior, é preciso desprendimento do projeto petista de permanência no poder e mais comprometimento com as questões estruturais que darão alicerce ao crescimento do país nas próximas décadas.

Vejam que o item que mais pesou no aumento da inflação foram os alimentos. E, nesse caso, há de se enxergar mais adiante.
Os estoques mundiais de alimentos estão baixos. Parte da produção agrícola foi afetada por problemas climáticos em vários países. O crescimento da população mundial e o aumento do poder de compra nas nações emergentes exercerão pressão sobre o preço dos alimentos e isso será uma porta não apenas aberta, mas escancarada, para a inflação mundo afora.

Por outro lado, os países produtores, como o Brasil, terão um papel fundamental no aumento da oferta de alimentos e poderão, evidentemente, aumentar sua participação no comércio mundial. No entanto, em vez de se aproveitar dos dotes do agronegócio brasileiro, como se viu nestes dois últimos mandatos, o governo deve focar questões estruturantes para o setor no futuro, como a melhoria da infraestrutura, da redução da carga tributária… Enfim, aquele velho terço que nós, da oposição, temos rezado há dois mandatos em vão.

A inflação está de volta e é tolerante a antitérmicos.

(*) Duarte Nogueira , 46, é engenheiro agrônomo e deputado federal pelo PSDB de São Paulo. Artigo publicado na Folha de S, Paulo em 22/02/11.

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22 fevereiro, 2011 Últimas notícias Sem commentários »

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