Fantasma retorna
ITV alerta para volta da inflação e critica descaso do governo com o problema
Leia abaixo a íntegra de documento do Instituto Teotonio Vilela que alerta para o risco de piora nos índices de inflação, um mal combatido com sucesso por meio do Plano Real, mas que ameaça voltar com força. Ainda de acordo com o ITV, apesar da gravidade do problema o governo Lula até agora não deu a importância devida para a questão.
A galope e com as rédeas soltas
A presidente eleita vai provar do próprio veneno. Receberá do governo Lula uma situação econômica em compasso de desarranjo: inflação em alta, juros subindo, câmbio muito valorizado, contas externas sangrando no vermelho e gastos públicos em disparada. Pode haver herança mais maldita que esta?
Domar esta fera é uma das missões de Alexandre Tombini, escolhido por Dilma Rousseff para ser o novo presidente do Banco Central. Mas as análises correntes dão conta de que a escolha se deve ao fato de que, com ele, será mais fácil encabrestar a autoridade monetária. Se é isso mesmo o que quer, o novo governo pode estar flertando com o perigo, que responde pelo nome de inflação.
Ontem, o IBGE divulgou o IPCA-15, prévia do índice oficial de inflação. A alta foi de 0,86%, a maior para o mês desde 2002. Vale repetir: é a maior inflação para meses de novembro registrada ao longo de todo o governo Lula. Corre o risco de piorar.
Alimentos e bebidas aumentaram 2,11%. Pode ser apenas um salto ocasional, mas se a taxa fosse anualizada equivaleria a reajustes beirando 30% em 12 meses. Não se trata mais da “inflação do feijão”, pontual, como ocorreu pouco tempo atrás; os aumentos se disseminaram.
Houve altas expressivas em vários alimentos importantes na dieta das famílias: feijão carioca (10,83%), açúcar cristal (14,05%), tomate (10,28%), batata inglesa (9,96%), feijão preto (7,15%), farinha de trigo (5,76%) e açúcar refinado (4,50%).
Pôr comida na mesa do brasileiro já está sensivelmente mais caro. Mas pode ficar ainda mais. Prevê-se para 2011 uma oferta global de alimentos mais apertada que a de 2010. Mesmo que não haja escassez, a mera perspectiva de redução de estoques é, em geral, suficiente para elevar as cotações. Os preços tendem a subir, levando junto a inflação, e esta é a mais grave ameaça a ser combatida.
Serviços passaram a acumular alta de 7,38% no acumulado em 12 meses. Nessa base de comparação, a variação de preços no segmento já se aproxima dos picos históricos recentes, verificados em outubro de 2003 e maio de 2009. Como consequência, os IGP saíram de -2% para 10% em 12 meses. Como servem de indexadores para diversos tipos de contratos, a exemplo de energia, telefonia e, principalmente, aluguéis, tais aumentos se propagam no tempo: as tarifas e mensalidades são reajustadas com base no índice e, ato contínuo, geram nova inflação no período seguinte.
Tudo considerado, segundo projeções de mercado colhidas no boletim Focus, a inflação deste ano deve bater em 5,6% e em 5,1% em 2011, ambas acima da meta estipulada pelo BC, de 4,5%. Não é de hoje que os analistas passaram a vislumbrar risco maior de aumento de preços: há dez semanas, ou seja, desde o início de setembro, as projeções para 2010 sobem.
O governo Lula, porém, até agora deu de ombros. O máximo que fez foi continuar a maquiar os resultados das contas públicas, baixando sucessivamente as metas de superávit fiscal. Sem os malabarismos, o superávit fiscal caiu a 0,5% do PIB nos dois últimos anos, segundo estudo do Santander. Nos seis anos anteriores, pelo mesmo critério, havia sido de 2%. A meta era 3,3%.
Já sob as bênçãos da presidente eleita, a equipe econômica decidiu retirar dos cálculos do superávit os investimentos da Eletrobrás, levando a meta de 2011 para 3,1% do PIB. Investir em infraestrutura é saudável, mas o histórico da Eletrobrás no quesito é lastimável. Sob seu guarda-chuva estão várias distribuidoras estaduais que deveriam ter sido privatizadas, mas foram mantidas estatais. São um sorvedouro de dinheiro público. Ou seja, na prática, Dilma aceitou drenar o superávit pelo ralo destas concessionárias, o que colide com seu discurso de austeridade fiscal.
Até agora pouco se sabe do que a eleita propõe de fato para a condução da nossa economia. Tem-se dito que ela perseguirá a redução da dívida pública de 41% para 30% do PIB em quatro anos. Também tem sido divulgado que a meta é baixar o juro real dos atuais 5,3% para 2%. Papel aceita tudo.
Os objetivos são positivos, mas pouco factíveis pelo que se sabe até agora. Juros reais podem cair por meio de medidas saudáveis ou por decorrência da alta da inflação. Na Venezuela, por exemplo, eles são próximos de zero, mas os preços galopam.
Se Dilma quer baixar os juros de maneira saudável, e esta é uma necessidade premente do país, é imperativo que freie a expansão dos gastos públicos. É tudo o que o governo Lula não fez, até porque sua política expansionista mirava beneficiar a eleição da sucessora: os gastos públicos cresceram 17% nos últimos 12 meses.
As despesas são ascendentes, mas não se ouve uma palavra a respeito disso da presidente eleita. Dilma poderia começar por ressuscitar uma proposta que integra o PAC, mas foi letra morta até agora: a que limita os reajustes salariais a um percentual pouco acima da variação do PIB.
Lula parece já ter percebido o clima azedo da economia no ar. Esperto como é, vacinou-se: disse que se sua pupila receber uma “herança maldita” será culpa da crise internacional. Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha e Itália estão derretendo, mas só servem como alerta para a imprevidência que o PT demonstrou até agora. Não como desculpa. (Do Instituto Teotonio Vilela)
Deixe uma resposta