Recorde indigesto
Brasil novamente fechará o ano na liderança mundial da taxa de juros, com efeitos perversos para o país
A taxa básica de juros brasileira deve ficar hoje um pouquinho mais magra. No entanto, como destaca a Carta de Mobilização Política desta quarta-feira (29), isso é insuficiente para tirá-la da condição de a mais alta do mundo, perspectiva que não deve se alterar nem no médio prazo. “Nunca se gastou tanto dinheiro para pagar juros da dívida pública. O custo mais caro do dinheiro também penaliza o setor produtivo, que se vê em condições ainda mais desfavoráveis para competir com concorrentes estrangeiros”, avalia o Instituto Teotônio Vilela, órgão de estudos políticos do PSDB. Confira abaixo a íntegra:
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deve cortar hoje um tiquinho da mais alta taxa de juros do mundo. O Brasil fechará o ano, novamente, na liderança do ranking global, com efeitos perversos tanto sobre a produção nacional quanto sobre as contas públicas.
O Copom encerrará suas reuniões de 2011 provavelmente trazendo a Selic para 11% ao ano, com corte de 0,5 ponto percentual na taxa básica. Voltaremos, assim, praticamente aos 10,75% em que estávamos quando o ano começou, depois da escalada que elevou o índice até 12,5% em julho.
O Brasil pratica hoje taxa de juro real, ou seja, descontada a inflação, de 5,6% ao ano, de acordo com levantamento feito pela Cruzeiro do Sul Corretora. Mesmo com a possível redução a ser anunciada hoje, a Selic ainda representará o dobro da segunda colocada da lista, a Hungria, com seus 2,5% anuais.
Ao longo dos últimos anos, mudaram as posições intermediárias do ranking, mas o Brasil manteve-se incólume no topo da tabela. A média de juros praticada nas 40 principais economias do globo é de 0,9% negativo. Destes, só 13 países têm juro real positivo, ou seja, taxas nominais maiores do que a inflação projetada para os 12 meses seguintes.
Os prognósticos de mercado são de que, ao longo de 2012, a Selic cairá mais um ponto percentual, para 10% ao ano. Nada, portanto, que seja suficiente para tirar do Brasil o título de país que paga as maiores taxas de juros reais do mundo – a menos que a inflação dispare aqui.
No nível atual, nunca se gastou tanto com o pagamento de juros da dívida pública quanto agora: 2011 será o primeiro ano em que esta despesa irá superar R$ 200 bilhões. Apenas no mês passado, foram pagos R$ 20,25 bilhões.
Entre janeiro e outubro, o governo brasileiro desembolsou R$ 197,7 bilhões para pagar credores da dívida, novo recorde. No acumulado em 12 meses, a despesa com juros também é a maior da história: alcança R$ 235,8 bilhões, que equivalem a 5,87% do PIB.
“Três motivos explicam as marcas históricas: aumento do tamanho da dívida pública, alta da inflação e elevação dos juros no primeiro semestre”, registrou O Estado de S.Paulo no sábado. Cada ponto percentual da taxa básica equivale a uma despesa pública extra com pagamento de juros de R$ 17 bilhões.
Não são apenas os cofres do governo que sofrem. O custo mais caro do dinheiro também penaliza o setor produtivo, que se vê em condições ainda mais desfavoráveis para competir com concorrentes estrangeiros – que, de resto, também não precisam enfrentar impostos escorchantes e lidar com a infraestrutura absolutamente obsoleta que aflige contribuintes e empresários brasileiros.
Cálculos da indústria mostram que o custo de capital de giro impacta a produção local em 6,67% e representa 7,5% do preço final dos produtos industrializados fabricados no Brasil. Em países como Chile, Itália, Japão, Malásia e Noruega, o custo gira em torno de 2%, com consequentes efeitos benignos também sobre os preços cobrados ao consumidor.
Para poder reduzir a taxa básica de juros, o governo está tendo uma ajudinha providencial do IBGE. Sem alarde algum, nesta semana a instituição reviu a fórmula de cálculo do IPCA, índice que mede a inflação oficial e baliza o sistema de metas.
O novo cálculo do IPCA dá importância a itens que estão com preços em queda neste momento, como automóveis e eletrodomésticos, e reduz o peso de itens que estavam em aceleração, como os serviços domésticos, a educação e a alimentação.
Só com isso, a inflação deve ficar 0,5% menor em 2012. Para o governo, que vem toureando o índice de forma a contê-lo dentro dos limites estipulados pelo Conselho Monetário Nacional, será uma mãozinha e tanto.
A redução dos juros é bem-vinda, desde que manejada em sintonia com o cenário cada vez mais complicado da economia mundial. Ter custos de capital mais baixos é salutar. O que não se pode é desgrudar o olho da inflação, contra a qual o governo esgrimiu sua política monetária ao longo de todo o ano, mas que ainda corre o risco de fechar 2011 acima da meta.
(Fonte: ITV)
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