Nós que amávamos tanto a revolução, por Marcus Pestana


Peço desculpas ao leitor. Hoje faço um registro pessoal. Afasto-me da análise dos grandes temas nacionais para derramar em poucas linhas a saudade e as lembranças de um grande amigo. No último dia 14 de outubro, uma sexta-feira cinzenta e triste, nos deixou o ex-presidente do DCE de Juiz de Fora (74/75) e ex-vereador (77/82) Ivan Barbosa.

Ivan era uma das melhores encarnações da juventude que nos anos 70 iniciou a luta pela democracia no país. Generoso, inteligente, criativo, desapegado das coisas materiais, agregador, foi uma das mais brilhantes cabeças que conheci. Foi o mais importante líder estudantil de Juiz de Fora. E fundador do grupo político que abrigou pessoas como eu, Custódio Mattos, Reginaldo Arcuri, Rubem Barbosa, entre outros.

Formado aos 22 anos em direito, viveu intensamente sua juventude. Depois caiu no mundo, viajando pela Europa e pela América Latina. Ao retornar ao Brasil, ingressou no curso de história e se elegeu, em 1974, presidente do DCE, representando o pensamento de esquerda.

Seu período à frente do DCE foi o mais rico de todos os tempos. Comprou uma gráfica que foi o esteio de todo o movimento popular, democrático, sindical e cultural na cidade. Cartazes do Comitê pela Anistia, campanhas salariais, Diretas Já, folhetos de movimentos comunitários, jornais como “Bar Brasil” e publicações como o Abre Alas – que lançou jovens e talentosos poetas – passaram pela gráfica do DCE. Quantas madrugadas varamos lá conspirando por um Brasil melhor. Organizou o Som Aberto, que levava, nos sábados de manhã, centenas de jovens para ouvir boa música, assistir bom teatro, conhecer bons filmes, assinar petições.

Em 1976, se elegeu vereador pelo MDB com a maior votação da história, mais de 4.000 votos, com o ousado lema: “Vote contra o governo”. Agregador, tinha sempre a casa cheia em reuniões com intelectuais e lideranças políticas de esquerda que visitavam Juiz de Fora.

Era crítico ao conservadorismo, mas também à estreiteza da esquerda. Um olho na esquerda, outro em Ulysses, Tancredo, Itamar. Pensava grande. Brincava: “Meu objetivo é escovar os dentes na sacada do Palácio da Liberdade”. Consciente da complexidade do jogo do poder repetia: “Jogo é jogado, lambari é pescado”. Testando fidelidades, perguntava: “Tá comigo ou tá com a onça?”. Era uma figura adorável.

Ivan foi o grande responsável por minha vida pública. Aos 16 anos, participei da minha primeira campanha, a sua, do “Vote contra o governo”. Em 1982, já matriculado na seleção para o mestrado de economia no Rio, Ivan convenceu o grupo, rico em opções, que eu deveria ser candidato a vereador.

A geração dos 70 e 80 foi vitoriosa. Conquistamos a democracia, combatemos injustiças, chegamos ao poder. Mas é verdade que a poesia e a paixão daqueles anos desapareceram no horizonte. A lembrança de Ivan me faz recuperar o fio da meada e reabastecer a ação presente com os sonhos de estudante que nos trouxeram até aqui.

(*) Marcus Pestana é deputado federal pelo PSDB-MG. Artigo publicado no jornal “O Tempo” em 07/11. (Foto: Paula Sholl)

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7 novembro, 2011 Artigosblog Sem commentários »

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