Operação suspeita
O governo não conseguiu produzir até agora um único argumento razoável para justificar o desvio de R$ 4,5 bilhões de recursos públicos para pôr de pé um meganegócio que só beneficia interesses privados. Na operação de fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour, amparada em farto dinheiro do BNDES, continua a prevalecer a lógica cara ao petismo: tudo vai sendo feito sob sigilo, sem que sejam dadas as devidas explicações à sociedade.
A fusão entre as duas redes não alcançará nenhum dos objetivos que têm sido apontados pelo governo para justificar a participação do BNDES no negócio. Não criará uma multinacional verde-e-amarela; não abrirá portas para produtos brasileiros no exterior; não trará qualquer benefício em termos de preços mais baixos para os consumidores.
A única resultante visível é o aumento ainda maior da participação do Estado – que já atua direta ou indiretamente de 675 empresas no país – na economia brasileira. O que, em alguns casos, pode até se justificar, no do Pão de Açúcar-Carrefour não encontra razão alguma. Por que motivos o BNDES deveria ser sócio de um supermercado francês?
Dois dos principais ministros de Dilma Rousseff manifestaram-se ontem em defesa da operação. Gleisi Hoffmann disse que todos podem dormir sossegados porque a transação “é uma ação de mercado, não tem nada a ver com decisão de governo”. Já Fernando Pimentel argumentou que o negócio tem “importância estratégica para o Brasil”, porque abre as gôndolas europeias para produtos brasileiros.
Gleisi e Pimentel só podem estar zombando dos cidadãos brasileiros. É evidente que o governo – e mais especificamente a presidente da República – está metido até a alma na concretização da operação, que, de outra forma, talvez não se concretizasse. Informada previamente da operação, Dilma não se opôs ao envolvimento do BNDES no negócio, mostra o Valor Econômico.
O próprio ministro do Desenvolvimento disse ontem que o BNDES foi chamado a atuar porque os bancos privados não quiseram agir – provavelmente porque não viram oportunidade de ganhos na operação… Não custa lembrar que ontem o Senado aprovou mais um empréstimo da União para o bancão de fomento: são mais R$ 55 bilhões, perfazendo total de R$ 230 bilhões desde 2009.
O BNDES já possui participação relevante em 52 empresas. Em 33 delas, detém mais de 25% do capital. A carteira de ações do BNDESPar valia R$ 90 bilhões em março, com destaque para o naco em conglomerados como Petrobras (11,61%), Vale (9,79%), Eletrobrás (18,50%), JBS (17,02%) e Telemar-Oi (16,92%).
Ao contrário do que vem apregoando o governo, nem todos os bilhões que o BNDES está disposto a despejar no Novo Pão de Açúcar (NPA) serão capazes de transformar a empresa numa multinacional verde-e-amarela. O controlador de fato das operações será o Carrefour da França, reforça o Valor, que ontem já antecipara esta resultante.
Já a possibilidade de um negócio privado ser capaz de destravar barreiras a produtos brasileiros no fechado mercado europeu, como defende o ministro Pimentel, é nula. Para que isso venha a ocorrer, é preciso muita pressão e negociação entre governos e em organismos multilaterais de comércio – abertura que a diplomacia petista nunca foi capaz de lograr.
O que parece líquido e certo a esta altura é que a operação bancada com dinheiro público resultará em maior concentração do varejo supermercadista brasileiro, com evidentes prejuízos para o bolso do consumidor. No mercado paulista, por exemplo, Pão de Açúcar e Carrefour dominam 70% do faturamento. Juntos, terão, portanto, poder para fazer gato e sapato da clientela.
Na alça da mira do novo conglomerado também é certo que estão os empregados. Entre 5% e 8% dos postos de venda devem ser eliminados. Para “reestruturar” o NPA, Abílio Diniz – lulista de carteirinha, como mostra O Globo – cogita escalar um executivo que tem em seu histórico cortes sistemáticos de milhares de empregos.
O governo do PT interfere num imbróglio empresarial de dimensões jurídicas ainda incertas – em que um lado acusa o outro de engendrar um “golpe de Estado corporativo” – e se mete numa transação injustificável sob a ótica do interesse público. A pergunta que fica é: por que o dinheiro suado do contribuinte foi parar nesta enrascada? Ninguém até agora conseguiu explicar este negócio de perde-perde para a sociedade.
(Fonte: ITV)
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