Mistura indigesta
No primeiro ano de governo Dilma, país terá menos crescimento e mais inflação, alerta ITV
“O Banco Central desistiu de manter a inflação comportada neste ano. Em contrapartida, já admite que o crescimento do PIB será menor do que o inicialmente projetado”. A informação é destacada na carta de mobilização política desta quinta-feira (31), editada pelo Instituto Teotônio Vilela. No documento, o ITV faz o alerta: “A autoridade monetária decidiu apostar em medidas de política monetária que ninguém sabe ao certo no que vão dar. O risco agora é passarmos a conviver naturalmente com um custo de vida tão elevado quanto perigoso. A tolerância pode acabar se mostrando excessiva”, diz trecho do documento, cuja íntegra está disponível abaixo:
O governo Dilma Rousseff desistiu de ter uma inflação comportada no país neste ano. A meta para o custo de vida definida para 2011 foi oficialmente sepultada ontem pelo Banco Central, sem nenhuma honraria. Também estão moribundos o crescimento do PIB e, pior de tudo, a estabilidade da moeda. É um estrago e tanto para quem apenas acaba de completar três meses de gestão.
No “Relatório de Inflação” publicado ontem, o BC indicou que a inflação deste ano deverá ficar em 5,6%, bem distante, portanto, da meta de 4,5% definida pelo Conselho Monetário Nacional. Em contrapartida, as projeções oficiais para a expansão da economia recuaram de 4,5% para 4%. Em suma, o que Dilma nos oferece até agora é isso: mais inflação com menos crescimento. Uma mistura indigesta.
A inflação no Brasil já vai muito alta: no acumulado em 12 meses, bate 6%. Numa lista com 14 países, “o Brasil aparece com a segunda maior taxa de inflação acumulada até fevereiro, atrás apenas da Índia”, informa a Folha de S.Paulo. Além disso, as autoridades monetárias brasileiras têm sido mais tolerantes quanto ao comportamento dos preços: a meta de inflação adotada no país é uma das mais altas entre as nações que seguem igual regime no mundo.
O risco agora é passarmos a conviver naturalmente com uma inflação tão elevada – e que em alguns setores já chega a dois dígitos, como é o caso de serviços, aluguéis, energia e comunicações.
Com a atitude agora oficializada, o BC de Dilma chancela altas generalizadas de preço num patamar acima dos 5,8% agora aceitos como naturais para a inflação brasileira deste ano. Ou seja, o que era meta vai acabar virando piso. “O BC pode criar um problema de enrijecimento da própria inflação. O quadro é potencialmente perigoso”, avalia O Globo hoje em editorial.
Os efeitos deletérios vêm em cadeia, uma vez que remanesce na economia brasileira um pernicioso mecanismo de indexação, herança dos tempos pré-Plano Real. O próprio BC admite tais riscos numa das 144 páginas do “Relatório”: “Existem mecanismos regulares e quase automáticos de reajustes, de jure e/ou de facto, que contribuem para prolongar, no tempo, pressões inflacionárias observadas no passado. (…) Os riscos associados aos mecanismos de indexação tornam-se particularmente importantes em 2011”.
Gostemos ou não, o primeiro ambiente onde decisões de política monetária reverberam é o mercado financeiro. E ele está torcendo o nariz tanto para o que o BC quanto para o que a presidente da República têm dito em relação à inflação.
Ontem, uma vez conhecido o teor do “Relatório”, os contratos de juros mais longos negociados na BM&FBovespa tiveram alta, “sinalizando que os agentes esperam uma piora do cenário futuro, seja com uma aceleração da inflação, seja pela necessidade de novas elevações da taxa básica”, informou o Valor Econômico.
Em outra reportagem, o jornal conclui que as expectativas quanto ao comportamento da inflação e dos juros vêm se deteriorando desde setembro de 2010, pondo “em xeque” a capacidade de o BC colocar a inflação no eixo: “Apesar do discurso, aperto monetário de um ponto percentual e inúmeras medidas, os juros futuros de longo prazo insistem em subir, as expectativas de inflação tanto na pesquisa Focus quanto a implícita nos preços dos títulos públicos seguem em alta e o dólar só cai”.
A data que o Valor identifica como o ponto inicial em que as expectativas começaram a azedar coincide com o ápice do período eleitoral do ano passado. Foi justamente quando ficou evidenciado que o governo do PT manobrava pesadamente os gastos públicos para Lula eleger sua sucessora. Desde então, os sinais de recrudescimento da inflação se tornaram cada vez mais perceptíveis, mas o governo pouco agiu.
É unânime a avaliação de analistas econômicos de que o BC – ou seja, o governo de Dilma Rousseff – está assumindo “riscos demais” na lida com a inflação. A autoridade monetária decidiu apostar em medidas de política monetária que ninguém sabe ao certo no que vão dar, e justamente numa hora em que o custo de vida descontrola-se. O momento não parece ser o mais adequado para experimentos de laboratório. A tolerância pode acabar se mostrando excessiva.
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