Cartas de Conjuntura


Brasil Real: reforma política desponta como uma das principais mudanças do momento, relata ITV

928824-tre_demonstra_urna__abr2637O país atravessa um novo, e bem-vindo, ciclo de reformas. Entre elas despontam as urgentes mudanças no sistema político-partidário e eleitoral, cujo objetivo é aprimorar nossa democracia, aproximar o eleitor de seus representantes e ampliar o escrutínio da sociedade sobre o Executivo e o Legislativo. O Brasil é uma das nações com maior fragmentação partidária, o que dificulta a governabilidade e fragiliza o voto do eleitor. Baseada em quatro medidas, PEC apresentada pelos senadores Aécio Neves e Ricardo Ferraço, do PSDB, visa tornar o processo político-partidário mais simples e transparente, aproximando o eleitor dos seus representantes.

Com o fim do período petista de poder, o país ingressou num novo ciclo de reformas estruturais. Tornou-se necessário adequar nossas instituições a um novo momento, a fim de que o Brasil volte a produzir crescimento, desenvolvimento e bem-estar para sua população. Nesta conjuntura, a reforma política desponta como uma das principais mudanças do momento e merece ser tratada como prioridade. Ela poderá ter a capacidade de aprimorar nossa democracia, aproximar o eleitor de seus representantes, ampliar o escrutínio da sociedade sobre o Executivo e o Legislativo, fortalecer os partidos políticos e melhorar a representatividade parlamentar. Pode, também, tornar o sistema eleitoral mais simples e transparente, com redução dos custos de campanha e diminuição das frestas para a corrupção. É uma chance de construir um modelo político-eleitoral no qual a população se sinta mais representada.

A reforma política não é assunto caro apenas a políticos. Pesquisa recente feita pelo Ibope mostrou que 85% dos brasileiros acreditam que sua realização traria vantagens para o país. Na Câmara e no Senado, já existem mais de 200 proposições legislativas para alterar as regras do jogo político e partidário.

Ocorre que interesses menores e/ou casuísticos vêm travando avanços mais substanciais. Nos últimos dez anos, quatro leis, sancionadas em 2006, 2009, 2013 e 2015, receberam a alcunha de “minirreformas” eleitorais, mas todas objetivaram apenas remendar brechas no processo eleitoral, sem efetuar mudanças estruturais. É necessário ir muito além.

Uma nova chance para alterações mais consistentes das regras do sistema político nacional consta de proposta de emenda à Constituição (n° 36/2016) apresentada pelos senadores Aécio Neves e Ricardo Ferraço, ambos do PSDB.

Seus dispositivos objetivam reforçar a fidelidade partidária, estabelecem cláusulas de desempenho para que os partidos políticos possam ter direito a funcionamento parlamentar – o que significa poder propor ações no Parlamento, ter estrutura própria e funcional nas casas legislativas, direito a participação no fundo partidário e acesso a tempo de rádio e televisão.

Fim das coligações
Um dos pontos centrais da PEC é o fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais, regra que passaria a valer a partir de 2020. Tem sido graças a este mecanismo, franqueado pela legislação em vigor, que candidatos sem votos
têm conseguido eleger-se na garupa da votação de nomes de maior expressão que integrem a mesma coligação. Vota-se em A, elege-se Z. Trata-se de fator de grave distorção da representação parlamentar e da vontade popular, que depõe contra nossa democracia representativa e não ajuda a governabilidade.

A peculiaridade brasileira é permitir as alianças de partidos em eleições proporcionais, ou seja, nas chapas para deputados federais e estaduais e para vereadores. Em países com sistemas pluripartidários, esta é uma prática muito disseminada, mas apenas em disputas por cargos majoritários, isto é, presidente da República, governador do Estado, prefeito e senador. Atualmente, além do Brasil somente dez países permitem coligações em pleitos proporcionais: Bélgica, Bulgária, Chile, Dinamarca, Holanda, Israel, Noruega, Polônia, Suécia e Suíça.

A proibição de coligações nas eleições proporcionais poderá provocar mudanças importantes na composição das bancadas partidárias. Levantamento feito pelo cientista político Jairo Nicolau, da UFRJ, mostra que, se as coligações estivessem proibidas no pleito de 2014, 6 dos 28 partidos que conseguiram eleger parlamentares ficariam fora da composição da Câmara dos Deputados. Além disso, PMDB, PT, PSDB e PSB teriam eleito mais da metade da Câmara: em vez de 43% do total de deputados federais (222), teriam, juntos, 61% das cadeiras (314). Resta claro que um sistema desta natureza facilitaria a formação de maiorias parlamentares e daria maior governabilidade aos governos. Ainda segundo a mesma pesquisa, 15 legendas teriam eleito menos deputados, entre elas PR, PSD, PDT e PCdoB.

Independentemente de quem seja favorecido ou prejudicado com as novas regras, é inconteste que será muito positivo pôr fim às coligações proporcionais.

Sua extinção purificará o sistema político brasileiro e acabará com a esdrúxula possibilidade de se votar em um partido e eleger candidatos de orientação ideológica oposta. Representará, também, o fim dos partidos de aluguel, desprovidos de plataforma programática. Os partidos, para sobreviver, terão que representar com maior fidelidade correntes de pensamento que permeiem a sociedade, buscando candidatos viáveis e comprometidos com suas bases.

Cláusula de desempenho
A aplicação da cláusula de barreira, que impõe percentual mínimo de votos para que um partido continue com representação no Parlamento, é outra medida indispensável para ajudar a tornar o sistema político mais funcional, compreensível e próximo dos eleitores. O atual quadro partidário brasileiro é frouxo, pouco representativo. Na comparação com outros países onde o sistema eleitoral também é proporcional, o Brasil tem quase o triplo de partidos com representação congressual. A fragmentação partidária excessiva — são 26 legendas representadas no Congresso, 35 registradas no Tribunal Superior Eleitoral e outras 70 aguardando na fila autorização para serem criadas — dificulta a governabilidade e confunde o eleitor.

A pulverização partidária também serve para drenar recursos públicos. Em uma década, os partidos políticos brasileiros abocanharam R$ 9,4 bilhões do erário na forma de fundo partidário, inscrito no Orçamento Geral da União e distribuído em parte de maneira proporcional, de acordo com o número de cadeiras na Câmara, e em parte (menor) igualitariamente entre todas as legendas registradas no TSE. Nos últimos dez anos, 19 legendas nanicas, de baixa ou nenhuma representatividade política e social, ficaram com 20% das verbas.

Criada na Alemanha no período pós-guerra, a cláusula de desempenho hoje vigora em cerca de 40 países. No Parlamento alemão, não têm direito a cadeiras partidos com menos de 5% dos votos. Polônia, Noruega, Espanha e Suécia exigem 3% a 4% dos votos, e a Dinamarca, 2%. Há casos mais extremos, como a Turquia, em que o limite mínimo situa-se em 10%. Segundo recomendação da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, datada de 2007, a cláusula de desempenho, em democracias equilibradas e respeitáveis, não deve ser superior a 3%: “Nas democracias bem estabelecidas, um equilíbrio deve ser encontrado entre a representação justa de pontos de vista na comunidade e a eficácia no parlamento e no governo”.

A implementação desse instrumento no Brasil — tentada no p
assado, mas invalidada em 2007 pelo Supremo Tribunal Federal — mudará de forma significativa o arranjo partidário nacional. Pelo projeto do PSDB, para ter assento parlamentar e direito a fundo partidário e tempo de televisão, cada legenda precisará obter votação nacional mínima de pelo menos 2% dos votos válidos nas eleições gerais de 2018 e de pelo menos 3% a partir de 2022. Esses votos deverão estar distribuídos em pelo menos 14 unidades da federação, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada uma delas. Segundo Jairo Nicolau, da UFRJ, 11 dos 28 partidos que elegeram representantes na Câmara dos Deputados em 2014 não alcançariam o mínimo de 2% dos votos previsto na PEC. A cláusula seria, portanto, medida saneadora para barrar a proliferação de legendas de aluguel, ajudando a aumentar a representatividade de cada agremiação e fortalecendo o voto do eleitor.

Agenda positiva
Não há, na proposta defendida pelos senadores tucanos, intenção de impedir a existência de legendas menores. Mas, sem os votos mínimos, os partidos deixarão de contar com algumas das prerrogativas que hoje lhe são franqueadas e que acabam virando moeda de troca no balcão político-partidário. Além disso, a PEC apresentada por Aécio e Ferraço prevê a possibilidade de formação de federações partidárias que funcionarão como se fossem um partido único dentro do Parlamento, preservando, assim, a possibilidade de benefícios também para as legendas menores. A federação permite que partidos com maior proximidade programática se aliem para atuar de maneira uniforme em todo o país e, ao mesmo tempo, possibilita que partidos pequenos alcancem representação parlamentar.

Outro ponto importante da PEC é o fortalecimento da fidelidade partidária, passo crucial no processo de reforma das instituições políticas. A proposta define que os eleitos a partir do pleito de 2016 perderão seus mandatos caso se desliguem dos partidos pelos quais disputaram a eleição. As exceções dizem respeito à desfiliação em caso de perseguição ou mudança no programa partidário.

Políticos que se elegerem por partidos que não ultrapassarem a cláusula de barreira também ficarão livres para migrar sem perder o mandato. O troca-troca partidário é uma chaga do sistema político brasileiro: somente na legislatura atual, 152 deputados federais – 29,6% do total – mudaram de sigla, segundo balanço da Câmara dos Deputados. Sem partidos fortes, a atividade legislativa fica muito aquém do desejável, a independência entre os poderes fica comprometida e, sobretudo, a governabilidade fica bastante dificultada.

Estes não são os únicos aperfeiçoamentos desejáveis no nosso sistema eleitoral e partidário. O cardápio também inclui a adoção do voto distrital misto, o fim do instituto da reeleição, a ampliação dos mandatos de prefeitos, governadores e presidente da República para cinco anos, a adoção de um sistema mais transparente e equilibrado de financiamento eleitoral, incluindo recursos privados e públicos.

A construção de sistemas políticos e eleitorais mais justos é um avanço tão necessário quanto urgente para a construção de um novo Brasil. Hoje nossa democracia vai bem, mas, infelizmente, a política vai muito mal. Para que ela volte a funcionar, é necessário que sirva às pessoas, que as regras sejam compreensíveis a todos, que o modelo seja equilibrado e condizente com a vontade expressa pelos eleitores nas urnas. Hoje não está sendo assim. A saída para as várias crises nas quais o país se encontra só se dará por meio da boa política. Ou o país enfrenta com coragem uma necessária e inadiável reforma do seu sistema político ou corre risco de ver os demais problemas estruturais agravados.

(Fonte: ITV/ Foto: José Cruz/Agência Brasil)

 

Compartilhe:
12 janeiro, 2017 Últimas notícias Sem commentários »

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *