Por que a pobreza é um agravante de deficiências, por Mara Gabrilli
Pedro, 23, é cadeirante e morador de Rio Grande da Serra. Duas vezes por semana, ele vai até São Paulo para fazer reabilitação em um centro especializado em lesados medulares. A agenda é cheia, pois ainda tem a faculdade e o estágio que faz na cidade vizinha, Santo André. Pedro tem um assistente pessoal e um carro adaptado, presente da família após o acidente que tirou seus movimentos do pescoço para baixo.
Larissa, 8, tem paralisia cerebral moderada. Residente de uma grande comunidade no Rio de Janeiro, a menina quase nunca sai de casa. O bairro em que ela mora é repleto de morros e esgotos a céu aberto, além da rua não ter asfalto, tampouco um ponto de ônibus próximo. Com a cadeira de rodas menor do que o seu corpo, há anos ela aguarda uma nova órtese do SUS. Por conta disso, está sem frequentar a escola e qualquer serviço de saúde.
As realidades de Pedro e Larissa foram um dos temas da 9ª sessão da Conferência dos Estados Partes da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que, entre outros assuntos, abordou a pobreza como um agravante das deficiências. Sob o tema “Sem deixar ninguém para trás”, as discussões buscavam fazer uma intersecção entre a agenda para desenvolvimento sustentável da ONU e as políticas de inclusão para pessoas com deficiência.
Não é de agora que inclusão não é mais uma área a se trabalhar isoladamente. O desenvolvimento, em qualquer lugar do mundo, só de fato acontece quando há um olhar horizontal para cada necessidade distinta do cidadão.
Pense que para que a pequena Larissa não fique atrás de Pedro ao menos cinco áreas de gestão precisariam funcionar em seu dia a dia: transporte, saúde, educação, mobilidade e assistência social. Todas elas sob o guarda-chuva da acessibilidade, prerrogativa para que toda pessoa com deficiência possa ir e vir. O que quero dizer é demonstrado pela própria ONU em um gráfico no qual se traça o paralelo de que quanto mais recursos e tecnologias uma nação oferece, menos deficiência existirá em sua população.
Em países cujo índice de desenvolvimento é alto, o número de pessoas com deficiência tende a ser muito baixo. Em contrapartida, as faltas de saneamento básico, de um adequado atendimento à saúde, o pouco acesso à informação e outros problemas decorrentes da pobreza acarretam um maior percentual de deficiência na população. Atualmente, a OMS estima que 90% das pessoas que sofrem de perda moderada ou severa de visão estão concentradas em nações em desenvolvimento, e a maior parte poderia ter sido evitada.
Contudo, pensando no âmbito da inclusão de pessoas com deficiência, o Brasil cresceu de maneira significativa. Isso ficou evidente diante da realidade de outros países signatários da convenção das Nações Unidas. Eles enfrentam barreiras enormes para garantir, por exemplo, direitos civis às pessoas com deficiência intelectual –tema, aliás, de grande destaque na conferência.
Hoje, temos uma das legislações mais completas do mundo, a Lei Brasileira de Inclusão. Com seu texto tendo sido relatado por mim na Câmara dos Deputados, ela alterou o Código Civil, que passou a permitir que pessoas com deficiência intelectual casem, tenham filhos, votem e também sejam votados.
Não posso deixar de falar ainda que, em breve, o Brasil receberá atletas de todo o mundo para os Jogos Olímpicos e os Paralímpicos. Um dos nossos grandes desafios foi o de preparar a cidade do Rio de Janeiro, o próximo será trabalhar um legado dos Jogos à população brasileira, sobretudo em relação à acessibilidade, à melhoria das calçadas, a um transporte público acessível, além da implementação de novas tecnologias para integrar todos esses componentes às pessoas com e sem deficiência.
Em 1960, as primeiras Paralímpiadas foram promovidas, em Roma, como uma forma de reabilitar as diversas pessoas feridas durante a Segunda Guerra Mundial. Foi nessa época que o movimento pela inclusão começou a ganhar força em todo o mundo. Décadas depois, revivemos esse grande momento. Não podemos perder a oportunidade de elevar nossa nação ao primeiro lugar do pódio. E sem deixar ninguém para trás.
(*) Mara Gabrilli é deputada federal pelo PSDB-SP. Artigo publicado no portal UOL. (foto: Alexssandro Loyola)
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