Humanismo e globalização, por Marcus Pestana
O que fazia ali aquela criança com o rosto enfiado na areia de uma praia distante da Turquia? Não há castelos, pranchas ou sonhos ao redor naquela forte imagem que fez o mundo inteiro silenciar. O mal-estar se espalhou pelos quatro cantos da Terra. É como se a comunidade global estivesse diante do espelho e não se reconhecesse ou gostasse do que via. Imagens e palavras dizem mais que milhares de teses acadêmicas ou manifestos político-ideológicos. E a rede mundial de computadores tem essa capacidade inédita de difundir fotos e informações, despertando sentimentos globais. Aylan Kurdi e seus 3 anos estendidos no silêncio daquela praia fizeram ecoar o brado de milhões de migrantes e refugiados que vagam por terras estranhas às suas raízes. Aquela foto cortante e triste despertou uma onda de solidariedade e indignação.
Hoje, são milhões e milhões de pessoas que deixam para trás suas vidas e histórias na África e no Oriente Médio, fugindo da miséria ou da intolerância política e religiosa. Varam mares e oceanos como podem. Botes, canoas e barcos precários transportam o pouco que restou de esperança. Não há horizonte claro. O futuro é turvo e nebuloso. Não há visto, permissão ou diálogo. É uma tentativa desesperada que mais se assemelha a uma roleta russa. Famílias inteiras lançam a sorte ao mar e sonham com o éden no mundo desenvolvido. Milhares naufragam na travessia. Aylan nos abriu os olhos para aquilo que todos já viam.
Fugindo do Estado Islâmico ou da fome, aportam na Europa. Encontram cercas, muros, barricadas de arames. Repousam suas expectativas, ansiedades e seus sonhos em acampamentos improvisados.
O mundo desenvolvido, atônito e perplexo, não sabe bem o que fazer. Entre discursos xenófobos e gestos humanitários, oscilam na falta de clareza e estratégia. O terrorismo plantou as sementes da intolerância, e a colheita veio agora. Ultranacionalistas alertam contra a invasão muçulmana. Por incrível que pareça, a líder conservadora alemã é uma voz dissonante. Angela Merkel defende uma política planejada e racional de incorporação dos fluxos migratórios.
A globalização é a radicalização das tendências da economia capitalista. Traz a queda das fronteiras e a relativização da autonomia dos Estados nacionais. As forças produtivas devem avançar e, para isso, é preciso derrubar todas as barreiras. Abaixo o protecionismo! Fora o intervencionismo que inibe a integração global! As mercadorias devem circular livremente. Os capitais não têm fronteiras. A globalização potencializará a prosperidade. Mesmo que um espirro nas bolsas de Hong Kong ou Xangai possa se transformar em gripe global. Mesmo que a falência do Lehman Brothers leve pobreza a milhões que nunca tinham ouvido o nome do banco.
Mas se mercadorias e capitais devem circular livremente, por que não as pessoas? Esse é o “calcanhar de Aquiles”. A atual crise escancara essa contradição. O triste destino de Aylan Kurdi pôs o dedo na ferida.
(*) Marcus Pestana é deputado federal pelo PSDB-MG. Artigo publicado no jornal “O Tempo” em 14/9. (foto: Alexssandro Loyola)
Deixe uma resposta