Direitos do consumidor com deficiência, por Mara Gabrilli


Julie Nakayama, à época com 24 anos, passeava pela Avenida Paulista, quando viu uma camiseta na vitrine de uma famosa loja de roupas casuais. Quis comprar a peça, mas a entrada do estabelecimento possuía três degraus nada convidativos para uma cadeirante. Julie foi embora porque nenhum funcionário do local se prontificou a ajudá-la. Pelo contrário, questionaram sua presença ali, como se a cadeira de rodas subtraísse de uma garota sua vaidade ou poder de consumo.

Passados anos dessa história, o estabelecimento permanece o mesmo: com entrada quase proibida para quem tem uma deficiência ou mobilidade reduzida.
Eu mesma, dia desses, precisava cortar o meu cabelo e resolvi, em uma brecha entre agendas, procurar um salão nos arredores do meu escritório, no centro de São Paulo. Passei por vários estabelecimentos da região e não encontrei um lugar onde não houvesse degraus na entrada. Depois de um tempo cadeirando, acabei achando um salão escondidinho. A entrada não era acessível, mas consegui chegar depois de quase quebrar o vidro da porta.

Nathalia Fernandez, 27, entende bem essa realidade também. Ela, que tem paralisia cerebral e utiliza um carrinho motorizado para se locomover, sempre encontra dificuldades com a falta de locais acessíveis. Dia desses, ao conhecer uma academia para treinar musculação, foi informada que “o local não estava apto para receber alunos com deficiência”.
Cego desde os 13 anos por conta de glaucoma, Ricardo Sigolo se formou em biblioteconomia e trabalhou durante décadas com informação por meio do braile. No entanto, fora do local onde trabalhou, dificilmente tem acesso a recursos para uma pessoa com deficiência visual.

Muitas vezes, ele tem de ouvir por horas a declamação de um vendedor sobre determinado produto, porque as embalagens não oferecem informações em braile, bem como os cardápios da maioria dos restaurantes. A mesma barreira existe nos canais de compra na TV, que muitas vezes anunciam um determinado produto, mas informam o número para a compra apenas por escrito. Um formato de venda nada acessível para o consumidor com deficiência visual.

Esses são apenas alguns exemplos de situações corriqueiras, mas que na vida de uma pessoa com deficiência se tornam grandes perrengues.
Fato é que, além de brigar por seus direitos, o cidadão com deficiência quer hoje poder escolher, entre outras coisas, o que vestir, o que assistir, aonde ir, como comprar…

Na Lei Brasileira de Inclusão, LBI, relatada por mim na Câmara dos Deputados e em vigor há dois anos, além de reforçarmos esses direitos, alteramos também dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, garantindo às pessoas com deficiência direitos como o acesso à leitura de todo o cidadão cego, além de acessibilidade em materiais didáticos de cursos como informática e idiomas.
Agora as editoras de livros devem ofertar todos os seus títulos também em formato acessível, inclusive em seu canal de vendas pelo site. A LBI ainda pensou no poder de escolha do público com deficiência em espaços como cinemas, teatros e casas de espetáculos, que deverão oferecer locais acessíveis em todo o estabelecimento, não só em áreas segregadas.

Também vale enfatizar que a LBI alterou o Código de Trânsito, permitindo que as autoridades fiscalizem as edificações públicas ou privadas de uso coletivo, como shoppings, supermercados e hospitais, onde as vagas de estacionamento reservadas para idosos e pessoas com deficiência habitualmente são desrespeitadas.
As pessoas com deficiência movimentam a economia como qualquer outra parcela da população. Trata-se de um público com poder de consumo em potencial e os estabelecimentos e empresas que investirem nesse público, além de estarem cumprindo a legislação, estarão fidelizando um público que terá motivos para voltar e consumir novamente o seu serviço. Afinal, atender bem é incluir sempre.

*Artigo da deputada Mara Gabrilli (SP) publicado na revista Universo PCD)

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18 julho, 2018 Artigosblog Sem commentários »

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