Um suicídio que faz pensar, por Marcus Pestana
A vida é feita de processos coletivos, mas também de atitudes individuais. Uma notícia chocou o Brasil. O corpo encontrado no shopping em Florianópolis era do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo. Ele parece ter escrito sua carta de despedida quatro dias antes. O suicídio do reitor nos interpela fortemente e impõe uma reflexão sobre o Brasil de nossos sombrios dias.
Disse, em seu artigo em “O Globo”, o professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo: “A humilhação e o vexame a que fomos submetidos – eu e outros colegas da Universidade Federal de Santa Catarina – há uma semana não tem precedentes na história da instituição. No mesmo período em que fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira… Nos últimos dias, tivemos nossas vidas devassadas e nossa honra associada a uma ‘quadrilha’, acusada de desviar R$ 80 milhões. Uma investigação interna, que não nos ouviu; um processo baseado em depoimentos que não permitiram o contraditório e a ampla defesa; informações seletivas repassadas à PF; sonegação de informações fundamentais; e a atribuição, a uma gestão que recém-completou um ano, de denúncias relativas a período anterior”.
Passados quatro dias desse desabafo público, Cal, como era chamado pelos amigos, qual um “samurai moderno”, ofendido em sua integridade, desrespeitado como cidadão, exposto como se bandido fosse diante de sua comunidade, resolveu tirar a própria vida.
O Brasil está mergulhado na maior crise ética e moral de sua história. A mancha da corrupção contamina partidos, empresas, instituições. A sociedade indignada alimenta uma legítima fome de justiça. Não queremos mais impunidade. Apoiamos a Lava Jato, que está passando o Brasil a limpo. Mas queremos tudo isso dentro dos marcos do Estado democrático de direito tão duramente conquistado.
O Estado de direito nasceu para proteger cidadãos e minorias da voracidade repressora e dominadora do Estado e de maiorias eventuais. Os direitos individuais são peças basilares da democracia.
Em boa hora, o procurador geral do Estado de Santa Catarina, João dos Passos Martins Neto, veio a público em sua nota de pesar externar: “A tragédia de sua partida ocorre sob condições revoltantes. As informações disponíveis indicam que Cancellier padeceu sob o abuso de autoridade, ou seja, em relação ao decreto de prisão temporária contra si expedido, seja em relação à imposição de afastamento do exercício do mandato… Que o legado do professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo seja (…) também o de ter exposto ao país a perversidade de um sistema de justiça criminal sedento de luz e fama, especializado em antecipar penas e martirizar inocentes, sob o falso pretexto de garantir a eficácia de suas investigações”.
Que essa tragédia nos ensine novos caminhos.
(*) Marcus Pestana é deputado federal pelo PSDB-MG. Artigo publicado no jornal “O Tempo” em 09/10.
Deixe uma resposta