Os 10 anos do IPO do Banrisul, por Yeda Crusius


Nossa federação é um retalho costurado em diversas constituições. A de 1988 escreveu direitos e deveres dos entes federados que, por causa da instabilidade econômica, vivem “soltando o fio”. Quando me candidatei ao governo do estado em 2006 sabia que a autonomia do Rio Grande do Sul era limitada, mas que podíamos enfrentar o quadro do “pires na mão” que levava sucessivos governadores a Brasília para desenharmos nossas próprias prioridades. Por opção, sabedora que nada ganharíamos do Governo Federal do PT, de 2007 a 2010 cumpri o Plano de Governo divulgado durante a campanha de 2006. Lá estavam descritas as dificuldades pelas quais o estado passava, com déficits sequenciais há 40 anos, e o que faríamos para transformar a herança negativa que recebíamos em herança positiva, honrando todas as dívidas feitas em períodos anteriores e que se existiam era por decisão política do nosso povo, o que não nos cabia negar. A nós cabia consertar as razões do déficit recorrente, e honrar os passivos, negociando-os com os credores.

Uma das decisões políticas do nosso povo foi assinar o contrato de renegociação da dívida em 1998 com o governo federal, sendo uma das cláusulas a manutenção do Banrisul como banco estatal, decisão pela qual teríamos que pagar uma parcela extra limite da dívida recontratada. Tivemos então uma parcela mensal de dívida como percentagem das receitas superior à de outros estados, que venderam seus bancos. Decidimos honrar aquela decisão, e buscar o fortalecimento do banco tornando-o maior e mais transparente, e buscar apoio para renegociar uma dívida pela qual pagávamos taxas de juros muito altas e em prazos muito curtos. Como fazer isso?

Primeiro tratamos de ampliar o capital do Banrisul a partir de um processo de oferta pública mundial, o IPO que se concretizou em julho de 2007. O maior até aquele momento em todo o mundo. Colocamos o resultado que coube ao acionista maior, o governo estadual, em duas contas bancárias que qualquer pessoa podia seguir pela internet, para dois fundos para a previdência complementar dos servidores públicos. Não caí na tentação de usar tal patrimônio construído pela confiança mundial no banco que vinha sendo construída há décadas para gastar naquele momento de déficit. Decidi construir a poupança, o fundo de aposentadoria do futuro. Isso o Governo Federal não conseguiu os impedir, mas quando nos impediu de fazer o Duplica RS em 2008, já tínhamos o Déficit Zero e a poupança para fazer estradas. Fizemos. Muito menos do que poderíamos com a parceria de concessionárias.

Em seguida ao IPO buscamos em 2007 tratar da renegociação da dívida com o Banco Mundial. Seria caso único um contrato entre o BIRD e um estado da federação. Para isso, precisávamos do consentimento do Governo Federal para começar a negociar com o BIRD. Ganhamos a autorização, mas na Fazenda ninguém acreditava que conseguíssemos. Conseguimos, com a ajuda do Senado Federal que aprovou o contrato em sessão histórica de 2008 na qual o Senador Pedro Simon e mais dois senadores, Mão Santa e Heráclito Fortes, levaram a sessão de sexta-feira “até a hora em que a carta do Governo Federal Lula/Dilma, negada por intransigência político-partidária da Fazenda até então, chegasse”. Envergonhado, exposto ao vivo pela TV Senado, o Governo Federal entregou no final da tarde a autorização. O Rio Grande agradece os nobres senadores que permitiram uma renegociação da dívida do estado que reduziu a taxa de juros e aumentou os prazos de pagamento da dívida e, portanto, nos permitiu em 2008 conquistar o Déficit Zero e fazer uma poupança extra para poder usar em investimentos relevantes. Mas ter feito antes o IPO permitiu que conquistássemos a confiança do BIRD e de todos os agentes econômicos e sociais pela decisão pela autonomia. Com os dois, reconquistamos a confiança e o crédito mundiais.

Aposentamos o “pires na mão”. Pena que depois, fazendo tudo ao contrário, o governo estadual optou pelo déficit e pelo crescimento de uma dívida impagável. Pena mesmo, porque o estrago foi grande demais para poder consertar como o fizemos, em 4 anos.

(*) Yeda Crusius é professora Universitária, economista, comunicadora, consultora. Ministra do Planejamento, Deputada Federal por quatro mandatos e Governadora do RS. (yeda.crusius@gmail.com).

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31 julho, 2017 Artigosblog Sem commentários »

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