Carnaval, retrato da alma brasileira, por Marcus Pestana
Nada talvez traduza mais a alma do povo brasileiro do que o Carnaval. A alegria atávica, a diversidade cultural, o sincretismo religioso invadindo a festa pagã, a criatividade sem limites, a convivência plural de raças, idades e classes sociais explodem nas ruas, praças e avenidas.
Creio não haver país mais musical do que o Brasil em todo o mundo. Nossa multiplicidade de ritmos e estilos é inigualável. Qual é o país na face da Terra que produziu uma constelação de escolas presentes no samba, no choro, no frevo, no maracatu, na bossa nova, no axé, na MPB, na congada, no sertanejo?
O Carnaval expõe a potencialidade enorme que temos nas mãos. Um povo criativo e alegre que, mesmo diante de uma das maiores crises de sua história, solta a voz, celebrando sua vida, suas tradições, sua memória.
O Carnaval é uma festa pagã com múltiplas e um tanto indefinidas raízes: entre gregos, romanos, egípcios e gauleses na Antiguidade, festas populares prenunciavam o Carnaval.
A origem e o sentido etimológico, também objeto de controvérsias, viriam do latim “carnis levale”, ou seja, o adeus à carne que inauguraria o grande período de jejum e abstinência, que se incorporou ao legado da Igreja Católica como a nossa hoje conhecida Quaresma. Ou seja, antes de um longo período de reflexão e expurgo de pecados e excessos, a entrega radical aos prazeres da carne e a manifestações lúdicas.
Essa tradição se espraiou pelo mundo. Aqui, o Carnaval tem um caráter radicalmente catártico. A alegria da festa mistura-se com a ironia, com a crítica social e política, com a memória histórica não aprendida nas escolas, num grande desabafo coletivo. Das escolas de samba do Rio, passando pelos blocos espontâneos de rua e pelas marchinhas irreverentes, até os bonecos de Olinda e os abadás de Salvador, a alma do povo brasileiro transborda nas ruas e avenidas, anunciando uma utopia possível: um Brasil feliz e democrático, sem preconceitos e intolerâncias.
Se a origem etimológica da palavra estiver correta e traduzir a ideia do abandono da perspectiva carnal da realidade e a purgação de nossos pecados, o Carnaval de 2017 poderia servir para jogarmos fora nossas mazelas e tragédias.
O povo mostra sua energia e vibração mesmo diante de uma realidade turva e cinzenta. O Brasil precisa deixar de vez de ser o “país do futuro” nunca encontrado. Se a realidade brasileira, nua e crua, não rende um bom enredo e não garante um desfile vencedor, é hora de ter coragem de mudar. Cinco séculos são suficientes para, com o aprendizado histórico acumulado, enfrentarmos nossos fantasmas e desencontros. As crises são as parteiras da história, dificuldades e oportunidades num só samba-enredo. É hora de reformar o país e dar vazão à criatividade e ao potencial do povo brasileiro.
Que o novo Brasil possa cantar o refrão da primeira música feita especificamente para o Carnaval pelas mãos de Chiquinha Gonzaga: “Ô abre alas/ que eu quero passar!”
(*) Marcus Pestana é deputado federal pelo PSDB-MG. Artigo publicado no jornal “O Tempo” em 27/02. (foto: Alexssandro Loyola)
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