Carta de Formulação e Mobilização Política


Deselegância indiscreta – Análise do Instituto Teotonio Vilela

logo-itvCivilidade é uma das premissas básicas da vida em sociedade. Para a vida política, ainda mais. Afinal, quem preza a democracia precisa saber conviver com a diferença, respeitar seus opostos e não transformar adversários em inimigos a serem aniquilados. Para os partidários do governo que acabou – legitimamente – em 12 de maio do ano passado, não parece que assim seja.

A cada nova oportunidade, buscam exercitar a faculdade de afrontar o novo governo, insuflar revoltas e inventar ficções que não se coadunam com a realidade do país. Para esta gente, o Brasil vive um golpe, os cidadãos estão tendo seus direitos (todos eles) surrupiados, a política está sendo feita sob tacão e a liberdade dos desterrados do poder está sendo aviltada. Nada mais falso.

Nos últimos dias, dois episódios envolvendo a classe artística e cultural reproduziram o enredo farsesco, a mesma narrativa que até o partido que lhes faz a cabeça está abandonando.

Em São Paulo, Raduan Nassar aproveitou o recebimento de uma bolada de 100 mil euros para deitar falação contra o governo atual. Desferiu uma série de lugares-comuns contra “golpistas” que mais pareciam saídos de um papelucho de líder juvenil (e dos ruins). Seus pouco mais de cinco minutos de pregação na entrega do prêmio Luís de Camões talvez lhe rendam mais fama que as páginas que escreveu ao longo de toda a vida…

O outro episódio ocorreu no Festival de Cinema de Berlim, onde o diretor Marcelo Gomes usou os minutos que tinha para divulgar seu filme para descer a lenha no governo do Brasil. Os argumentos foram os mesmos de Nassar, só que em inglês, ainda que macarrônico: um golpe, direitos cassados, um Estado de exceção que aterroriza uma população de 200 milhões de reprimidos. Onde será que esta gente vive? Em tempo: mais interessada em predicados cinematográficos, a premiação do festival ignorou a obra do brasileiro…

É de se perguntar se num governo repressor gente como Nassar e Gomes teria o espaço que tiveram. Aliás, é de se questionar quando, durante os 13 anos de gestão petista, críticos de Lula e Dilma receberam alguma honraria oficial, algum cheque gordo ou tiveram microfones abertos para afrontar na lata a autoridade de turno. A deselegância parece ser patrimônio dos incomodados do presente e a tribuna livre, uma complacência dos “golpistas” de turno.

Nassar e Gomes deveriam inspirar talentos, mas servem mesmo é de mau exemplo para grupelhos cuja maior preocupação hoje é depredar patrimônio, cercear o direito de ir e vir de trabalhadores e defender privilégios de castas profissionais – e cuja vítima da hora é o centro do Rio, combalido por quebra-quebras quase diários impetrados por corporações insatisfeitas. Não são as supostas qualidades do cinema de Gomes nem da literatura de Nassar que empolgam, mas a sua intolerância que deseduca.

Escritor e cineasta talvez se sintam tão à vontade porque se espelham em líderes que não se constrangem em transformar caixões em tribunas e o velório da própria esposa em comício. Essa gente perdeu completamente a compostura e a razão. 

A reconstrução de um país destroçado pelos governos que Nassar, Gomes, Lula e sectários em geral defendem demanda civilidade, apreço pela democracia, respeito mútuo. Está claro que com esta gente não vai dar para contar. Com eles é no grito, na deselegância, na descompostura, coisa de quem parece sonhar como uma ditadura, desde que comandada por eles.

Deixaram isso claro na hostilidade ao ministro Roberto Freire, que acertadamente mostrou a diferença entre um ambiente democrático e outro autoritário. No primeiro, todos podem se expressar livremente e podem até receber prêmios mesmo discordando do governo; no segundo, a arbitrariedade tenta calar com gritos e vaias a voz de quem pensa diferente e não segue a cartilha do ocupante do poder.

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20 fevereiro, 2017 Últimas notícias Sem commentários »

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