Perda imensurável
Deputados questionam papel do Ministério da Cultura em fraudes nos patrocínios via Lei Rouanet
A participação do Ministério da Cultura nas fraudes relacionadas aos patrocínios obtidos pela Lei Rouanet foi questionada pelos deputados Domingos Sávio (MG) e Izalci (DF) durante audiência pública na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Lei Rouanet que contou com a participação de Karen Louise Khan, procuradora da República. Ela é responsável pela Operação Boca Livre, que investiga desvios no uso de recursos captados sob o amparo dessa lei.
A apuração identificou, até agora, desvios de R$ 180 milhões, envolvendo mais de 250 projetos aprovados e financiados por cerca de dez empresas. Há 34 mil projetos que ainda não foram analisados. O grupo Bellini Cultural é acusado de ser o principal articulador do esquema de fraude.
Relator da CPI, Domingos Sávio disse que o volume de recursos desviados e a fragilidade do sistema de fiscalização preocupam. “São mais de R$ 100 milhões que deixaram de ser investidos na cultura. É uma perda imensurável”, disse o parlamentar. Ele diz ainda ser intrigante o fato de um esquema criminoso agir por tanto tempo – são mais de dez anos – sem que nada fosse percebido.
Já o deputado Izalci se deteve atentamente às notícias publicadas pela imprensa e a toda documentação encontrada. Em questionamento à Procuradora, ele lembrou que em 2011, houve uma denúncia anônima sobre o esquema, mas só em 2014 foi aberto um inquérito policial. “Tudo indica que o Ministério da Cultura se manteve inerte por três anos e o principal grupo envolvido continuou agindo, mesmo depois da abertura de inquérito policial”, alertou.
Na primeira fase da Operação Boca Livre, iniciada em junho, foi constatada a existência de 12 empresas ligadas ao Grupo Bellini que captaram recursos sob o amparo da Lei Rouanet, em troca de vantagens indevidas para as empresas patrocinadoras. Em outubro de 2016, foi deflagrada a segunda fase da operação Boca Livre. A investigação revelou 40 empresas que participaram do esquema – com fim exclusivo de desviar recursos.
Izalci recomendou ao presidente da CPI, deputado Alberto Fraga (DEM-DF), que representantes das empresas já identificadas como participantes do esquema sejam chamados para esclarecer os patrocínios. Também reiterou o pedido para o envio de inquérito policial dessas operações e votação do requerimento de convocação dos membros do grupo Bellini depois de ter recebido o inquérito policial.
Três projetos chamaram a atenção do parlamentar: o financiamento pela empresa Termomecânica São Paulo de um show da dupla Guilherme e Santiago para comemorar os 70 anos da empresa, na Estância Alto da Serra; o patrocínio pela empresa Dow Química do show de Ed Mota e Orquestra Arte Viva, no Parque Ibirapuera, e o show de Ivan Lins e Orquestra Arte Viva para 1 mil convidados da DirecTV, patrocinado pela EleKeiroz. Embora não tenham feito captação, elas foram alvo de busca e apreensão por parte da Polícia Federal.
ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
De acordo com a procuradora Karen Kahn, há indícios de prática de associação criminosa. Segundo ela, a investigação indica que houve prática de estelionato, porque embora o grupo Bellini seja de iniciativa privada, movimentava recursos públicos. “Estes projetos não seriam captados se antecipadamente não houvesse essa combinação para que os recursos retornassem para a própria patrocinadora”, disse ela.
As investigações da Operação Boca Livre prosseguem para comprovar superfaturamento, apresentação de notas fiscais fictícias, projetos duplicados e contrapartidas ilícitas para as patrocinadoras – que estão no foco da segunda fase.
Criada no governo Fernando Collor, em 1991, a Lei Rouanet prevê incentivos fiscais a empresas ou pessoas físicas interessadas em investir em propostas culturais. Na prática, o governo abre mão de receber parte dos impostos devido pelas empresas para que elas direcionem esse dinheiro a projetos previamente aprovados pelo Ministério da Cultura.
(Reportagem: Ana Maria Mejia/foto: Saulo Cruz – Agência Câmara)
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