Sem legislar em causa própria, por Bruno Covas
No final do ano passado, o Congresso Nacional aprovou a Lei 13.254, que permite a regularização de recursos não declarados à Receita Federal fora do Brasil. Na mesma ocasião, a emenda de minha autoria que proíbe políticos, detentores de cargos públicos e seus parentes até segundo grau de aderirem ao programa foi aprovada.
Naquela ocasião pautei-me no consagrado princípio constitucional da moralidade na esfera pública, afinal a moral e a ética inspiram (ou deveriam inspirar) a atuação legislativa do Parlamento. Esta foi uma das lições que aprendi desde cedo pelos exemplos que tive no âmbito familiar.
Agora, às vésperas de vencer o prazo para adesão, o que acontece no dia 31 de outubro deste ano, tem-se falado em mudanças de regras. Uma das principais movimentações é exatamente para acabar com o artigo da lei oriundo da minha emenda, permitindo que as autoridades públicas e seus parentes possam repatriar seus recursos.
O Solidariedade é um dos partidos que articula a alteração, indo, inclusive, ao Supremo Tribunal Federal para questionar o assunto. A ação é totalmente incoerente, já que deputados da legenda votaram a favor da emenda na Câmara. Será que, na época, ninguém percebeu o que estava votando? Ou todos, sem exceção, mudaram de ideia?
Tivemos tempo suficiente para debater essa particularidade, inclusive com votações nominais. A emenda foi aprovada na Câmara por 351 votos favoráveis e apenas 48 contrários. Vale lembrar que o deputado cassado e então presidente da Casa, Eduardo Cunha, foi contra a emenda.
Diante desses pontos, a dúvida que fica é o porquê do esforço para alterar algo que acabou de ser analisado, votado por nós deputados e senadores e sancionado pelo Governo Federal há menos de um ano.
O esforço de mudanças nesse ponto da lei é no mínimo estranho. Novamente ficará a dúvida se estaremos legislando em causa própria e se não queremos beneficiar aqueles envolvidos em corrupção. Isso é o que menos precisa o Parlamento. Após a perda de mandato da ex-presidente Dilma Rousseff e de Eduardo Cunha, uma pauta positiva é urgentemente necessária.
O momento pede avanços. Temos inúmeros projetos essenciais para a retomada da economia a serem discutidos. A emenda constitucional do limite dos gastos públicos e a reforma trabalhista são apenas alguns exemplos de propostas que demandarão esforços enormes após as eleições municipais.
No entanto, ao contrário, a população vê, pelos jornais, articulações para concessão de outra benesse. E isso menos de quinze dias depois de a Câmara dos Deputados tentar aprovar, na surdina, projeto de lei que anistiava políticos que tenham cometido caixa dois em campanhas eleitorais passadas.
A intenção de mudar a lei de repatriação, segundo relatou a coluna Painel nessa Folha de S. Paulo (no dia 28/09 nota “Novo texto da repatriação tira trava que impedia condenados de aderir ao programa”) é liberar para que pessoas possam aderir ao programa desde que os valores não sejam o objeto da condenação. Um imóvel fruto de sonegação que resultou em condenação, por exemplo, não poderia ser legalizado. Mas se a pessoa tiver uma conta na Suíça, o dinheiro ficaria livre para a proposta. Ponto que, segundo diversos especialistas, tende a beneficiar os próprios políticos e seus familiares.
Ou seja, mais uma vez a Câmara está se fazendo de surda, ao não ouvir o anseio da sociedade, o clamor das ruas. Tentar legislar em causa própria é inadmissível. Seja qual for a manobra.
Tem-se que tratar de forma desigual os desiguais e os parlamentares são assim. Precisamos, acima de tudo, dar o exemplo.
(*) Bruno Covas é deputado federal pelo PSDB-SP.
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