O jeito Francisco de mudar, por Rodrigo de Castro


Tudo o que já se falou sobre a visita do papa Francisco resume-se em críticas à segurança, elogios ao carisma e popularidade do pontífice e especulações sobre esperadas mudanças no seio dessa milenar instituição, a Igreja Católica Apostólica romana. Quanto à logística, o Brasil teve uma grande oportunidade de aprender com os erros que, ainda pesando sobre os governantes do Estado-sede da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), já foram perdoados pelo papa. A imprensa internacional foi cruel, manifestando desconfiança da capacidade do país na organização dos eventos desportivos programados para 2014 e 2016. O jornal Chicago Sun-Times, com acidez, e não sem uma ponta de despeito pela derrota de Chicago na disputa para sediar os Jogos Olímpicos, foi logo estampando em manchete: “Perdemos para isso?”. Não é de estranhar que a imprensa estrangeira não se tenha sequer referido ao caráter pacífico do povo brasileiro, mesmo diante da inocorrência de qualquer incidente com as pessoas e com o papa, que andou em carro aberto, desceu dele para beijar crianças e velhinhos, misturou-se com a população.
 
Digno de nota, e pena que não o suficientemente explorado pela imprensa internacional, foi o exemplar comportamento dos jovens, que mostraram, durante todo o evento, que estavam ali para ouvir o papa, manifestar a sua fé e colaborar na discussão dos problemas da igreja. O respeito demonstrado por eles mereceu dos cariocas que abrissem as portas para recebê-los e oferecer-lhes apoio logístico. Ostentando as cores da jornada, contribuíram com a segurança, fazendo o cordão de isolamento do papa, inteiramente respeitado pela população. O ambiente de ordem e tranquilidade que criaram tornou menores as falhas de segurança.
 
O jeito Francisco de lidar com o público, driblando a segurança, não significava vaidade de ser popular e cair nas graças do povo. Era o traço de simplicidade de sua pessoa, de seu despojamento diante das coisas materiais e de sua filosofia de vida, construída no dia a dia da missão pastoral assentada na cultura do encontro e do diálogo. E com sua simplicidade natural e a argúcia de sua inteligência jesuíta, driblou também a presidente Dilma Rousseff, ao responder com um discurso de essência religiosa, a uma fala inteiramente oportunista, enaltecedora do governo e do partido que representa. Dilma com foco na reeleição; Francisco com foco nos jovens, considerados por ele a janela pela qual o futuro entra no mundo. Sob o manto da religião, Francisco alinhava os desafios dos dirigentes políticos: abrir espaço aos jovens, tutelar as condições de seu pleno desenvolvimento, garantir-lhes segurança e educação e despertar-lhes as potencialidades, de forma que cada um seja sujeito do próprio amanhã e corresponsável pelo destino de todos.
 
Em outro momento, ainda sob a moldura da religião, convocou os jovens a irem contra a corrente e contra a cultura do provisório – “sejam revolucionários e tenham a coragem de ser felizes” –, estando atentos às investidas de manipulação. Em entrevista concedida a uma emissora de tevê, voltou ao tema afirmando que “o jovem que não protesta não me agrada”. Dispensou também, na oportunidade, um carinho especial aos idosos, descartados – como os jovens – pelos interesses economicistas. Com a mesma sutileza, na visita à comunidade de Varginha, chamou de alta caridade o resgate da política. Falou da corrupção, sendo incisivo ao manifestar que não existe pacificação com pobreza. De fato, se a saúde e a educação não subir o morro junto com a polícia, não haverá inclusão social.
 
Nos vários discursos e nas duas entrevistas concedidas, Francisco não deixou de abordar, com serenidade, os problemas que incomodam a Igreja, como o escândalo no Banco do Vaticano, o hermetismo da Cúria Romana e a questão da pedofilia, assim como as questões que revelam o atraso secular da instituição, o distanciamento dos interesses de seus fiéis e o desafio de reconquistar seguidores. Em cada situação abordada, Francisco revelou-se um pontífice conectado com os problemas de seu tempo e disposto a nele reinserir a Igreja. Nessa missão será ajudado por sua mansidão incisiva, sua simplicidade eloquente e sua lógica jesuítica, enfim, por esse jeito Francisco de ser.
 
(*) Rodrigo de Castro é deputado federal pelo PSDB-MG. Artigo publicado no jornal "Estado de Minas" em 06/08. (foto: divulgação – Vaticano)
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6 agosto, 2013 Artigosblog Sem commentários »

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