“Drogas e violência: uma relação cada vez mais estreita”, por William Dib
A sociedade brasileira está se deparando nos últimos 20 anos com inúmeros problemas relacionados a um derivado da cocaína – o crack.
Até 1989, a droga mal aparecia em levantamentos epidemiológicos, desde então a situação mudou drasticamente. Um levantamento do CEBRID (Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas) em 24 cidades com mais de 200.000 habitantes, distribuídas em todo território nacional, mostra que o consumo da droga dobrou entre 2001 e 2005.
Entre os fatores de risco para uso e dependência do crack já estão demonstrados o uso prévio de outras drogas (em especial a cocaína), fácil acesso à droga e possibilidade de troca da droga por sexo. Porém a família é um dos principais fatores capazes de influenciar a vulnerabilidade do indivíduo para iniciar e atingir padrões problemáticos de consumo, devido a causas genéticas, exposição ao consumo dentro de casa, abuso e estresse continuados, etc. Muitas vezes decorrentes de estruturas familiares caóticas ou demasiado rígidas, carentes de comunicação entre os seus membros e dotadas de relações de apego marcadas pela insegurança e/ou abandono.
O risco de dependência com o uso de crack é duas vezes maior do que o com o uso da cocaína inalada. Apesar de aproximadamente 62,8% dos usuários de crack apresentarem critérios positivos para dependência ao longo de sua vida de consumo da droga e o curto intervalo entre o início do consumo de crack e a ocorrência de problemas relacionados ao consumo (em média 3,4 anos), os usuários de crack têm muita dificuldade na busca de tratamento especializado, pois enfrentam preconceito pela ilegalidade da droga ligada à criminalidade, o acesso ao tratamento é difícil, e têm dificuldade de reconhecer o problema.
Muitas pessoas, ao formularem seus julgamentos, não levam em consideração que o dependente químico tem mais do que “vontade” de usar a droga. Funciona como colocar uma nova engrenagem em um complexo relógio que funcionava perfeitamente, ela vai atrapalhar o funcionamento do relógio da maneira correta, mas se você simplesmente tirar a nova engrenagem de lá depois de colocada, a máquina pára. A maneira de funcionamento do sistema nervoso é afetada de tal forma que, na verdade, ele passa a “precisar” da droga para não sofrer efeitos indesejados.
Dentro desse problema, temos o drama específico das “mães e bebês do crack”. As mulheres dependentes após perder os bens, o emprego, amigos e família por causa da compulsão pela droga, acabam por perder também a dignidade, e vender o corpo (em situações, ambientes e condições subumanas) para conseguir meios de consumir a droga, e muitas vezes engravidam. Exigir sexo protegido de uma pessoa resumida a uma condição de vida desumana, é simplesmente absurdo. São gestações quase sempre sem acompanhamento, sob uso da droga.
O uso do crack durante a gestação está associado principalmente a descolamento de placenta, parto prematuro e bebês pequenos e de baixo peso. Ao nascer a criança geralmente apresenta agitação, irritabilidade e choro constante durante alguns dias, não raro descobre-se também que a criança já nasceu infectada com doenças como sífilis, hepatite B ou HIV. Estudos mostram que aos 7 anos de idade os filhos de gestações onde a mãe usou crack tinham um risco 3 vezes maior de apresentar problemas de aprendizagem, com comprometimento em especial das habilidades matemáticas.
Muitas vezes, a mãe sequer tem condições psicológicas e sociais de cuidar do próprio filho. Nesses casos é procurado alguém na família disposto a ficar com a criança, e em caso de negativa a mesma é enviada para uma instituição para posterior adoção. Só na Maternidade Estadual Leonor Mendes de Barros, a principal da Zona Leste de São Paulo, apenas uma criança nascida na maternidade foi encaminhada à adoção porque a mãe, dependente química de crack ou cocaína, abriu mão do bebê em 2007. Número que subiu para 15 crianças em 2008, em 2009 foram 26 crianças e em 2010 foram 43 crianças encaminhadas à adoção por esse motivo.
Tudo isso ilustra somente uma pequena parte da ideia de que os problemas relativos à criminalidade e ao tráfico de drogas são somente a ponta do iceberg, que esconde muitos outros problemas sociais e médicos muito mais complexos, que resultam no dado de que 85% das ocorrências criminais e dos homicídios tem relação com o tráfico ou com o consumo de drogas.
(*) William Dib é deputado federal pelo PSDB-SP
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