Milhões desperdiçados

Para tucanos, golpe na saúde pública mostra falhas de gestão e de fiscalização no setor

Após denúncia de golpe na saúde pública revelada pelo “Fantástico” nesse domingo, os deputados Vanderlei Macris (SP) e César Colnago (ES) cobraram reforço no sistema de fiscalização e punição dos envolvidos. Internações simuladas para desviar dinheiro do Sistema Único de Saúde (SUS) e fraudes no programa Farmácia Popular foram alguns dos exemplos mostrados pelo programa.

O golpe usa até crianças sem conhecimento dos pais. Em um bairro de Maceió, um suposto surto de pneumonia se espalhou e centenas de crianças apareceram com esse diagnóstico na lista de internações em duas clínicas particulares conveniadas com o SUS: a Clínica Infantil de Maceió e a Clínica Frei Damião. Ao tentar confirmar a história com as mães, a equipe descobriu que os filhos nunca haviam sido internados. Eram golpistas falsificando consultas para desviar verba do SUS.

Macris considera inadmissível a leniência do governo federal em relação à fiscalização da aplicação do recurso público no setor. “Ao longo dos anos, duas coisas têm acontecido: diminuição do investimento na saúde e aumento de corrupção, o que mostra que o governo perdeu o controle em uma área tão sensível. É uma questão que não pode ser deixada de lado”, apontou nesta segunda-feira (3).

No caso da fraude dos farmacêuticos, o governo paga sem que o remédio tenha saído da prateleira. O programa Farmácia Popular oferece medicamentos à população com descontos de até 90%. O SUS repassa essa diferença para drogarias credenciadas. O golpe de muitas delas é enviar comprovantes de venda falsos e pedir o reembolso. A procuradora responsável pelas investigações, Daniela Poppi, revela um número impressionante: “Fizemos uma análise dos valores que foram passados para as drogarias de Franca e constatamos que em 2009 e 2010, de cada R$ 10 repassados pelo governo federal, R$ 9 eram fraudulentos. É um sistema muito fácil de ser burlado”, afirma.

Macris lembra que a saúde é o setor de maior reclamação, principalmente dos mais carentes. “A saúde pública brasileira, que poderia servir de exemplo para o mundo, mostra que não é prioridade do Planalto”, completou. Na sua visão, o desvio de dinheiro do sistema prejudica a qualidade do serviço oferecido à população. “O governo não tem planejamento nem gestão e ainda falta aptidão para atuar na área.”

Colnago classifica de “desleixo e irresponsabilidade” a falta de gerenciamento. “Não há controle de fiscalização e nem punição dos envolvidos. Depois do fato revelado, ninguém sabe notícia do que aconteceu com as pessoas que desviaram o dinheiro. Mostra que o Executivo federal não tem nenhuma aptidão para administrar o setor”, concluiu.

Internações forjadas

→ A história se repetiu em outras casas do bairro. Os filhos fazem exame de sangue e depois os pais recebem uma carta sobre uma internação que não existiu. Foram mais de 600 casos. Repasse para as duas clínicas envolvidas: cerca de R$ 350 mil. Não há surto algum de pneumonia. O que existe são internações falsas, forjadas para lucro ilegal em clínicas conveniadas com o SUS.

→ O Conselho Regional de Medicina apura a situação dos médicos donos das clínicas. “É possível que pessoas estejam morrendo ou sofrendo dano porque os recursos foram retirados para pagamento. E com certeza vai faltar para outro”, afirma Fernando Pedrosa, presidente do Conselho Regional de Medicina/RN.

→ O Fantástico investigou ainda outro tipo de golpe que também desvia milhões de reais da saúde pública. Essa fraude é praticada por organizações sociais desonestas. Em junho passado, a Operação Assepsia, do Ministério Público do Rio Grande do Norte, prendeu secretários municipais e empresários. Alvo: as fraudes na prestação de contas de três organizações sociais ligadas à saúde. Uma organização social é uma entidade sem fins lucrativos que recebe dinheiro público para realizar parte dos serviços garantidos pelo Estado à população.

(Reportagem: Letícia Bogéa/ Fotos: Alexssandro Loyola/ Áudio: Elyvio Blower)