A divisão democrática dos royalties do petróleo como modelo indutor do federalismo, por Márcio Bittar


2012 inicia e com ele temos uma certeza, a de que a sessão legislativa que começa será permeada pelo debate sobre os Royalties do Petróleo explorado na camada do pré-sal. Esta é uma matéria que tem provocado discursos apaixonados, principalmente por parte de parlamentares do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, que encaram uma mudança na distribuição dos Royalties do Petróleo do pré-sal como um crime de lesa-pátria. Sou um defensor convicto de uma melhor distribuição dos royalties e, portanto, pretendo rebater cada argumentação contrária à democratização dessa riqueza que pertence a todos os brasileiros.

A primeira justificativa daqueles que defendem a continuidade do modelo atual parte do princípio de que o primeiro parágrafo do artigo 20, define que os royalties e participação especial são devidos aos estados e municípios produtores e aos órgãos da administração direta federal, como compensações pelos impactos econômicos, sociais e ambientais gerados pela atividade exploratória de petróleo. Ora, ocorre que a modificação pretendida no atual formato de distribuição de royalties se dá no petróleo explorado na Plataforma Continental, e é importante chamar atenção para o inciso V, do artigo 20, da Constituição Federal, que diz que “são bens da união  os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva.” Logo, falar em estados ou municípios produtores de um petróleo extraído na camada do pré-sal é, no mínimo, uma deslealdade intelectual.

Outro argumento constantemente esgrimido é o de que os royalties compensariam a perda do ICMS incidente sobre o petróleo que é cobrado no destino e não na origem. Entretanto, é conveniente lembrar que a exploração do petróleo aumenta a base de arrecadação. Quando isso não ocorre por meio direto, tendo em vista que o ICMS incidente sobre combustíveis, ao contrário do que ocorre com a maioria dos bens e serviços, pertence ao estado onde ocorrer o consumo; irá ocorrer de forma indireta, pois a atividade de extração, ao aumentar a circulação de renda no município, permite um aumento da arrecadação. Isso porque os salários e as encomendas locais da indústria petrolífera estimulam o comércio, contribuindo para maior pagamento de ICMS em atividades não-petrolíferas, e aumentam a procura por serviços, imóveis e veículos, gerando maior arrecadação de ISS, IPTU e IPVA. Ademais, como algum Estado ou município pode exigir o recebimento de ICMS, a título de produção, se a extração de petróleo que se discute é aquela que pertence à União?

Outra justificativa apresentada para a manutenção da atual divisão dos royalties diz respeito a uma suposta compensação aos governos locais por gastos com infraestrutura e prevenção de acidentes, além de eventuais danos ambientais causados pela exploração petrolífera. Esta é mais uma argumentação que não se sustenta, afinal, não se pode esquecer que boa parte da infraestrutura construída para auxiliar a atividade de extração do petróleo, como modernização de portos e construção de estradas, é bancada pelo governo federal ou pelas empresas exploradoras, em especial a Petrobrás.

Quanto às regras que tratam sobre compensações por eventuais danos ambientais, elas existem e não sofrem alterações, mas não podemos esquecer que há uma significativa redução dos impactos ambientais quando a extração é feita na plataforma continental, e, no caso de um eventual acidente ambiental, ele não necessariamente atingirá o município confrontante, uma vez que o local atingido dependerá de fatores como ventos e correntes marítimas. E, nesse caso, entendo que o mais correto seria a adoção de compensação por dano ambiental calculado sobre danos efetivamente ocorridos.

Há, ainda, a argumentação, entre aqueles que defendem a manutenção do atual modelo de royalties, que a proposta de mudança segue a fórmula de um mero distributivismo, na qual os recursos do pré-sal seriam destinados “para financiamento de custeio da máquina estatal”. Ora, apesar de entender que há no argumento um forte componente de preconceito contra estados e municípios menos desenvolvidos, concordo que uma proposta democrática de redivisão dos royalties do petróleo do pré-sal deve priorizar a utilização desses recursos nas áreas de educação, saúde, infraestrutura social e econômica, meio ambiente e adaptação às mudanças climáticas.

É importante lembrarmos que o petróleo é um recurso não renovável e sua renda deve ser aplicada de forma a preparar o país para o futuro, quando as reservas se exaurirem. Portanto, não podemos concordar com o atual modelo de utilização dos royalties, praticado pelo Rio de Janeiro, em que, segundo palavras do seu governador em entrevista ao jornal Folha de São Paulo de 21 de setembro de 2011, “95% do que o Rio recebe dos royalties vão para a Previdência do Estado”. Sem dúvida alguma, gastar, como tem feito o Estado do Rio de Janeiro, os recursos oriundos de um bem não renovável para financiamento de custeio da máquina estatal é o que podemos chamar de “distributivismo raso”.

Causa espanto perceber a capacidade de combate demonstrado por alguns poucos Estados e municípios no afã de defender regalias fiscais. Esta mesma combatividade não é percebida na luta para promover a defesa da Amazônia Brasileira e do desenvolvimento social e econômico de sua gente, que pode ser garantida com os recursos de uma nova divisão dos royalties do petróleo do pré-sal.

Por fim, aqueles que defendem a manutenção do status quo na distribuição dos royalties prendem-se a uma nebulosa argumentação de que uma distribuição igualitária dos royalties entre todos os entes federativos seria uma afronta ao princípio federativo. Ora, tal argumentação é falaciosa, e para comprovar o que afirmo, vou discorrer, de forma breve, sobre o que é o federalismo.

Montesquieu, em “O Espírito das Leis”, conceituou que o Estado Federal é uma aliança ou união consentida de Estados. Obviamente que o conceito de federação comporta vários formatos, mas, no caso específico do Brasil, a Constituição Federal de 1988 definiu no art. 3º a base do Estado federativo brasileiro, a partir de uma matriz cooperativa.

Entretanto, não é possível imaginarmos que o federalismo cooperativo dependa apenas da previsão constitucional. Para que estados e municípios tenham real autonomia política, é necessário que possuam autonomia administrativa e financeira. Em outras palavras, sem recursos suficientes o federalismo existirá apenas no papel. Nenhuma federação sobrevive com amplas regiões de subdesenvolvimento social e econômico permeadas com raros bolsões de riquezas.

Os royalties do petróleo explorado na camada do pré-sal tornam-se uma renda importantíssima para o pleno desenvolvimento de Estados subdesenvolvidos e do próprio conceito de federação brasileiro, o Estado do Acre, por exemplo, passaria de um recebimento de R$ 8 milhões para um recebimento entre R$ 170 milhões. Na soma dos recebimentos dos municípios acreanos, sairíamos de algo em torno de R$ 5 milhões para algo em torno de R$ 26 milhões. Este é um dinheiro de todos os brasileiros e entre todos deve ser distribuído, de forma democrática, garantindo a todos os entes federativos a possibilidade de um verdadeiro salto qualitativo que prepare as próximas gerações para os desafios de um mundo mais globalizado e mais competitivo.

Portanto, diante da dimensão dos reflexos de uma repartição democrática de recursos, a discussão sobre os royalties deve estar acima dos velhos e danosos preconceitos regionais; deve, também, superar o fácil e vazio discurso politicamente correto da defesa do meio ambiente sem atitudes concretas. Agora é o momento de transformar palavras e boas intenções em atos que modifiquem positivamente o futuro do Brasil.

(*) Márcio Bittar é deputado federal pelo PSDB-AC. (Foto: Beto Oliveira)

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8 fevereiro, 2012 Artigosblog Sem commentários »

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