A verdade, o passado e o futuro, por Marcus Pestana


O futuro nasce do aprendizado do passado. Mário Quintana dizia que “o passado não reconhece seu lugar, está sempre presente”. Os horizontes que serão construídos dependem fundamentalmente de nossas atitudes e decisões presentes, contaminadas pelas experiências acumuladas e pelos registros da memória.

No Brasil, vencemos a luta pela democracia. Nunca experimentamos tamanha liberdade como hoje. Mas uma sombra do passado ainda impede que viremos totalmente a página da história em relação ao período do autoritarismo. Dezenas de famílias de pessoas mortas ou desaparecidas permanecem sem informações precisas sobre o que ocorreu com seus parentes queridos e ficam com suas histórias pessoais e familiares abertas, aprisionando o futuro e inquietando a memória. Para as famílias de Rubens Paiva, dos mortos no Araguaia e tantos outros, a transição democrática não se concluiu.

Nesse sentido foi sancionada a lei que cria a chamada Comissão da Verdade, que irá, através de tomada de depoimentos e análise de documentação, esclarecer a violação dos direitos humanos nos anos de chumbo. Serão sete pessoas de inquestionável estatura ética e respeitabilidade, nomeadas pela presidente da República.

O objetivo central é deixar um registro definitivo para a nossa história e dar conforto às famílias de mortos e desaparecidos, que poderão finalmente fechar um ciclo de suas vidas. A ideia não é reviver o passado, reabrir feridas, desencadear uma onda revanchista, rever a Lei da Anistia (tema inclusive que se encontra em discussão no Supremo Tribunal Federal).

Muitos perguntam por que não avançamos tanto quanto Chile, Argentina ou Uruguai na punição daqueles que transgrediram os direitos humanos. A própria representante da ONU, Navi Pillay, disse que era preciso avançar na revisão da Lei da Anistia.

Creio que não é o caminho. Acompanhei de perto, no fim dos 1970, como dirigente do Comitê Brasileiro de Anistia, essa etapa da redemocratização. Nosso lema era: “Anistia ampla, geral e irrestrita”. Conquistamos a anistia possível, negociada com os militares, dentro da correlação de forças da época. O preço: colocar uma difícil pedra em cima da questão da punição dos torturadores em troca do avanço democrático possível. Houve um acordo, foi selado um pacto e avançamos.

Isso permitiu que as Forças Armadas caminhassem para uma profissionalização crescente, deixando o poder por conta dos civis. Estancou a discussão sobre os crimes da esquerda armada. Tirou da prisão ou permitiu o retorno ao país de centenas de lideranças importantíssimas. Abriu caminho para Tancredo Neves e preparou o terreno para a Constituinte e as eleições diretas.

Reabrir as feridas do passado seria um retrocesso. Não dar conforto e informações às famílias dos mortos e desaparecidos, um erro imperdoável, uma indignidade.

Embora tenhamos feito concessões à ditadura, nunca tivemos dúvida e em nosso nome falou Ulysses Guimarães: “…a sociedade foi sempre Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram”.

(*) Marcus Pestana é deputado federal pelo PSDB-MG. Artigo publicado no jornal “O Tempo” em 05/12/11

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5 dezembro, 2011 Artigosblog Sem commentários »

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