Fim da transparência
Para deputados, esconder gastos de obras da Copa e Olimpíadas é uma vergonha para o país
O sigilo nos gastos da Copa do Mundo e das Olimpíadas é uma vergonha para o país, na avaliação do líder do PSDB na Câmara, Duarte Nogueira (SP), e do deputado Antonio Imbassahy (BA). A MP 527/11, cujo texto principal foi aprovado na quarta-feira (15), tem sido condenada por especialistas e pela sociedade. A proposta prevê que a omissão dos valores ocorra em toda a obra, quando for considerada questão de segurança nacional. Para os tucanos, a medida prejudica a transparência no uso do dinheiro público. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, classificou a mudança de “escandalosamente absurda”.
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Nesta sexta-feira (17), a presidente Dilma Rousseff defendeu o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) e lamentou a má interpretação do texto. Nogueira acredita que a petista está sendo induzida a erro no caso do sigilo dos orçamentos prévios. “Além de esconder os custos das obras, a medida acaba prejudicando o processo de fiscalização”, declarou.
Para ele, existem outras armadilhas. O artigo 15, por exemplo, veda a publicidade quando o sigilo é imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. A norma já está prevista na Constituição. “Só o fato de o governo tê-la repetido no texto é indício de que este será um mecanismo largamente utilizado. Se por qualquer motivo o Executivo definir que determinado orçamento é sigiloso, a sociedade corre o risco de não ter tão cedo acesso às informações.” Nogueira acredita que o regime poderá ser contestado do ponto de vista constitucional.
“Essa MP é o mensalão da Copa. O povo jamais poderia imaginar que o PT teria a ousadia de propor uma medida dessa natureza. A população toda está rejeitando isso, a reação é muito grande”, declarou Imbassahy. Para o tucano, o objetivo é ocultar irregularidades. “Com o texto atual da MP, é inevitável que aconteçam ilicitudes e corrupção. O povo tem direito de saber o valor da obra, porque é ele quem está pagando aquele projeto”, disse.
Nogueira vai tentar evitar a aprovação conclusiva da matéria. A votação dos destaques da oposição está prevista para 28 de junho. “Temos que trabalhar para retirar o artigo que trata do regime diferenciado, ou pelo menos garantir que o projeto básico seja exigido, pois nem isso acontece.”
Os tucanos esperam o recuo da base aliada. “O governo, tendo bom senso e espírito público, deve reconhecer quando erra. E se, de fato, há um erro ele precisa ser corrigido”, declarou Nogueira. “Não é possível que se queira acabar com a fiscalização de obras. O governo deverá recuar e repensar”, completou Imbassahy.
Repercussão negativa
→ O diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Claudio Abramo, lamentou a aprovação da MP e considerou-a um retrocesso.
→ “Quais obras são necessárias para a realização da Copa e da Olimpíada? Não são necessariamente os estádios, mas também posso colocar o trem-bala, estradas, qualquer coisa. Até projetos que já iriam ser construídos, independente destes eventos, podem usar o RDC com a desculpa de que são para a Copa”, afirmou o advogado Rodrigo Alberto Correa da Silva, especializado em relações governamentais e sócio do escritório Correia da Silva Advogados.
→ A União dos Auditores Federais de Controle Externo (Auditar) é “totalmente contrária” ao sigilo do valor da obra. A entiade divulgou nota com críticas à pressa do governo em promover as alterações, que deveriam ocorrer por projeto de lei ao invés de medida provisória, e alertou: “É mais complicado, demorado e custoso resgatar recursos públicos que já foram aplicados indevidamente do que, por meio de atuação preventiva, evitar que eles sejam gastos de maneira irregular, ineficiente ou ineficaz.”
→ “Corrupção e fraudes são pragas corriqueiras em obras públicas no Brasil. O governo federal conhece bem essa realidade. Parece mais empenhado em ocultá-la, contudo, do que em combatê-la”, diz editorial da “Folha de S.Paulo”.
→ Também em editorial, o “Estado de S.Paulo” declara: “Se fosse permitido brincar com coisa séria, poderia se dizer que o governo ganhou a final de um campeonato com um gol de mão, em impedimento, depois dos acréscimos”. “Mas o gol de placa da MP – gol contra o dever elementar do setor público de dizer sem subterfúgios o que faz com o dinheiro do contribuinte – é a cláusula que livra o governo de informar à sociedade quanto pretendia gastar com determinada obra ou serviço. É a desfaçatez do orçamento secreto”, diz outro trecho.
(Reportagem: Alessandra Galvão/ Fotos: Eduardo Lacerda/Áudio: Elyvio Blower)
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