Sem credibilidade


Após tantos dias de silêncio, pronunciamento de defesa de Palocci não terá qualquer credibilidade

Se tivesse provas de que não traficou influência, de que não feriu a ética e o decoro, de que não usou o privilegiado acesso ao poder para beneficiar clientes e a si próprio, Antonio Palocci já teria há muito dissipado a nuvem que paira sobre sua cabeça. “Um silêncio que dura 20 dias está longe de servir ao benefício da dúvida. Qualquer defesa já vem tarde. Nem todo o marketing do mundo é capaz de superar a realidade”, diz a Carta de Formulação e Mobilização Política divulgada pelo Instituto Teotônio Vilela nesta sexta-feira (3). Veja a íntegra abaixo:

O governo começou a semana propalando que teria dias seguidos de “agenda positiva”. Chega ao fim dela atolado vários palmos a mais na crise que se arrasta há 20 dias e com o ministro Antonio Palocci em vias de ser jogado fora do barco, abandonado até pelo PT. Nem todo o marketing do mundo foi capaz de superar a realidade.

Os últimos dias pouco acrescentaram ao que já se sabia sobre o enriquecimento faraônico de Palocci. Mas a continuidade da recusa do governo em esclarecer como seu principal ministro fez tamanha fortuna em tão curto espaço de tempo, ao mesmo tempo em que dava expediente no Congresso, foi suficiente para azedar de vez a sua situação.

Se tivesse provas de que não traficou influência, de que não feriu a ética e o decoro, de que não usou o privilegiado acesso ao poder para beneficiar clientes e a si próprio, Palocci já teria há muito dissipado a nuvem que paira sobre sua cabeça. Um silêncio que dura 20 dias está longe de servir ao benefício da dúvida. Qualquer defesa já vem tarde.

Depois de semanas de cobranças, ontem, finalmente, Palocci decidiu que virá a público dar explicações. Pode ser que aconteça hoje, pode ser que ele ainda aguarde até segunda-feira. Mas um pronunciamento que demora tanto a acontecer já chega completamente esfacelado, com nenhuma credibilidade para ser ouvido.

As tais explicações podem não vir hoje, segundo o Valor Econômico, porque Palocci quer “primeiro tomar conhecimento do noticiário dos jornais e revistas no fim de semana” para “não ser surpreendido com o surgimento de novas denúncias”. Se está tão convicto assim, dá para imaginar o quanto ainda há para ser conhecido.

“Talvez suas palavras cheguem tarde demais. A não ser que o artista surpreenda a plateia. A ponto de explicar, inclusive, porque demorou tanto para apresentar provas tão cabais de que não é apenas um exímio consultor, mas um homem público de conduta irrepreensível”, comenta Fernando de Barros e Silva na Folha de S.Paulo.

Também no Valor, o sociólogo Alberto Carlos Almeida calcula a desproporção do êxito financeiro da Projeto, a empresa de consultoria de Palocci, em 2010 para ressaltar o inverossimilhança de qualquer explicação que o ministro venha a dar. É coisa difícil de esclarecer – e de engolir.

Descontando-se os três dias da semana que Palocci teria trabalhado na Câmara, os recessos e fins de semana, sem direito a férias e feriados, o então deputado teria dedicado 165 dias do seu último ano de mandato à sua “consultoria”. Se a Projeto faturou R$ 20 milhões, isso significa que Palocci ganhou, em média, R$ 121 mil para cada dia de trabalho.

Ele faturou tanto quanto, por exemplo, a top model Kate Moss e a tenista Serena Willians, que figuram na lista das “mais poderosas celebridades” da revista Fortune. “Seria interessante que o Ministério Público, a Justiça, os economistas, universidades etc. procurassem estudar e investigar em que condições um deputado federal consegue ganhar R$ 121 mil por dia no exercício do mandato”, sugere o sociólogo.

Não foi só no caso Palocci que o marketing petista esbarrou em seus limites. Também aconteceu com o programa “Brasil sem Miséria”, lançado ontem por Dilma Rousseff. Dos anunciados R$ 20 bilhões de investimentos nas ações, apenas 20% são de fato dinheiro novo; o resto já é gasto com o Bolsa Família. Não colou.

Para O Estado de S.Paulo, “o Brasil Sem Miséria é um pacote que junta intenções do governo, projetos que não saíram do papel no governo Lula e reafirmações de compromissos da presidente na área social”. Para a Folha, o programa “recicla ações”. Se for tratado como peça publicitária, o programa não terá como avançar.

O ato que está para se desenrolar nas próximas horas deve ser o réquiem para a carreira política de Antonio Palocci, o principal ministro do governo Dilma. Mas o caso não se encerrará aí. Ainda restará ao petista explicar seu enriquecimento e dissipar as fundadas suspeitas de irregularidades. A crise será afastada do Planalto, até que um próximo escândalo brote na Casa Civil, transformada em bunker de falcatruas na gestão do PT.

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3 junho, 2011 Últimas notícias Sem commentários »

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