Cinco meses de um varejo sem fim
Balcão de negócios do Planalto para assegurar apoio no Congresso está a todo o vapor
Dilma Rousseff termina hoje o quinto dos 48 meses da sua gestão. Neste período, a presidente não apresentou, nem parece dedicada a desenvolver, um projeto para o país que tenha força suficiente para galvanizar apoios no Parlamento e na sociedade. “Governos desta natureza dependem fundamentalmente de apoios cevados a fisiologismo. Daí a preocupação em escancarar ainda mais o balcão de negócios para o PMDB e a base aliada”, diz trecho da Carta de Formulação e Mobilização Política editada pelo Instituto Teotônio Vilela nesta terça-feira (31). Leia a íntegra abaixo:
Nos desdobramentos da crise envolvendo o enriquecimento do ministro da Casa Civil, a discussão do momento é sobre o aumento do peso do PMDB no núcleo de poder. O partido de Michel Temer sente-se confortável para cobrar mais pelo apoio parlamentar, sob ameaça de deixar que alguns de seus senadores tornem a CPI do Palocci uma realidade. O balcão de negócios do Planalto está a pleno vapor.
Três dos principais jornais destacam hoje a fatura que os pemedebistas estão apresentando ao governo. Para O Estado de S.Paulo, em manchete, “com Palocci fraco, PMDB quer nova articulação política”. Segundo a Folha de S.Paulo, o “PMDB cobra mais poder de decisão no governo Dilma”. Até o Valor Econômico, que vinha dando menos destaque ao caso, informa, em primeira página, que “Dilma revê coordenação política”.
Uma das conclusões em comum é que o PMDB deverá partilhar mais das decisões do governo e Dilma Rousseff irá intensificar os contatos com as lideranças governistas no Congresso. Tudo isso seria decorrência da derrota na votação do Código Florestal, na qual o PMDB não seguiu as ordens do Palácio, e do acirramento das relações ao longo da crise em torno de Antonio Palocci. Também seria uma forma de reconstruir a abalada autoridade da presidente.
É claro que o governo, qualquer governo, depende de uma boa articulação política para funcionar melhor. Mas, no caso de Dilma, isso é uma dependência química. A inabilidade e a inexperiência políticas da presidente justificam parte das dificuldades. Mas o modo como o condomínio de poder se organiza sob o PT explica muito mais.
Dilma termina hoje o quinto dos 48 meses da sua gestão. Neste período inicial, os governos costumam ser marcados por gestos ousados, pela apresentação dos projetos mais arrojados, pela proposição das mudanças mais significativas para a vida de um país. O que fez o governo da presidente neste sentido até agora?
Não há uma única reforma efetivamente em discussão. Dos principais projetos que tramitaram no Congresso, um trata de assunto corriqueiro na vida da nação – a fixação do salário mínimo – e o outro serviu mais para nos jogar numa encruzilhada do que para apontar novos caminhos – o do Código Florestal. É muito pouco para um governo que se dizia estar “em lua de mel” com o país.
Dilma Rousseff não apresentou, nem parece dedicada a desenvolver, um projeto para o país que tenha força suficiente para galvanizar apoios no Parlamento e na sociedade. É um governo dedicado à administração cotidiana da burocracia, à política miúda, ao curto prazo. Um governo de um varejinho sem fim.
Para funcionar, governos com esta natureza dependem fundamentalmente do “é dando que se recebe”. O balcão do fisiologismo tem de estar aberto diuturnamente. A articulação política que Dilma promete azeitar doravante se presta a garantir que estas engrenagens funcionem melhor – o que não significa que tenham parado de funcionar um instante sequer.
“Como contentar o PMDB? Cedendo espaço na máquina governamental que possibilite bons negócios. Rentáveis para efeito privado e péssimos para o interesse público. O governo postergou, até o momento, a partilha do butim, não pela defesa da moralidade pública. Longe disso. Está testando o partido para ver até que ponto é possível negociar”, escreve Marco Antonio Villa n’O Globo.
A intervenção de Lula na semana passada serviu justamente para reafirmar a prevalência dos princípios fisiológicos no condomínio gerido por Dilma sob a tutela do ex-presidente. Ele veio lustrar o balcão. Fica muito evidente que esta é a regra que vale para os governos do PT. Basta agirem assim, para saírem sorridentes nas fotos…
A assessoria da presidente cuida de disseminar que a atuação de Lula “desagradou” Dilma. Bobagem. A intervenção é parte do jogo que ela aceitou jogar, mas não estava tendo habilidade para conduzir. A interferência do ex-presidente serviu para apaziguar os ânimos e garantir que os canais não serão obstruídos – pode-se imaginar o que flui por intermédio deles.
A correria do governo para atender prontamente os comensais do PMDB e da base aliada também sugere a pouca confiança nas explicações dadas pelo ministro da Casa Civil sobre o crescimento exponencial da sua fortuna. Busca exorcizar investigações, mas a crise está longe de acabar – o Valor chega hoje a cogitar nomes de possíveis sucessores de Palocci: Fernando Pimentel, Paulo Bernardo e Alexandre Padilha.
Pode ser que o Planalto aposte que, no fim das contas, o episódio sobre o enriquecimento suspeito de Antonio Palocci não passe de um “acidente”, como aliados do PT do quilate de José Sarney já consideram ter sido o impeachment de Fernando Collor. No fundo, a intenção acaba sendo esta mesma: igualar todos. Por baixo.
Deixe uma resposta