O Congresso, as medidas provisórias e a democracia, por Marcus Pestana
No último dia 4, os senadores da oposição se retiraram do plenário em protesto contra a subserviência da base do governo e os abusos do Executivo na edição de medidas provisórias que atropelam a Constituição e agridem a autonomia do Parlamento brasileiro.
Em seu artigo 62, a Constituição diz: “Em caso de relevância e urgência, o presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”. Em seus parágrafos, o artigo faz vedações de conteúdo, fixa prazos para a conversão em lei (máximo de 120 dias), orienta sobre reedições, normatiza o rito congressual e a vigência. O aprimoramento do texto constitucional (EC 32, de 2001) ocorreu durante a presidência de Aécio Neves na Câmara dos Deputados.
Decorrida uma década, os resultados esperados não foram alcançados. Continua o emprego indiscriminado das MPs sem a observância dos pressupostos de relevância e urgência. O rito de tramitação não tem sido observado. Muitas MPs tratam de assuntos completamente diferentes, ganhando, nos bastidores do Congresso, os apelidos de “jabutis” (que não sobem árvores) e Frankensteins (tais os remendos mal feitos).
Foi esse o motivo da firme atitude dos senadores de oposição, tendo à frente Aécio Neves, Itamar Franco e Demóstenes Torres. Na votação da MP 513/2010, que se destinava à concessão de juros subsidiados a empresas e produtores rurais atingidos por desastres naturais, outros temas como mudanças no Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), recursos para o Fundo Soberano, lançamento de letras do Tesouro e doação do Brasil ao Haiti foram incluídos. Isso revoltou os senadores, que abandonaram o plenário em protesto, por considerarem um desrespeito ao Congresso, à Constituição e à democracia. A indignação com a situação foi levada ao Supremo e à OAB.
Nesse exato momento, a Câmara dos Deputados discutia um caso ainda mais absurdo. A MP 521/2010, que trata das atividades do médico-residente e de gratificação para servidores da Advocacia Geral da União (AGU), passou a hospedar, através do Projeto de Lei de Conversão da relatora, mudanças radicais na Lei das Licitações (Lei nº 8.666), visando facilitar a contratação de obras e serviços. Mais uma vez, as oposições obstruíram a votação em defesa do interesse público. Era visível o constrangimento da relatora Jandira Feghali, uma de nossas melhores deputadas, na leitura de seu relatório que atendia à vontade do governo.
Para a correção dessas absurdas distorções, o senador Aécio Neves apresentou parecer como relator das emendas constitucionais 8, 11 e 14 de 2011, buscando o fortalecimento do Poder Legislativo no processo de construção das leis.
Bismarck, com evidente viés autoritário, disse certa vez que “leis são como as salsichas, é melhor não saber como são feitas”. Cabe ao Congresso Nacional desmenti-lo.
(*) Marcus Pestana é deputado federal pelo PSDB-MG. Artigo publicado no jornal “O Tempo” em 16/05/11.
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