Incógnita
Modelo de privatização dos aeroportos pode resultar em um monstrengo, avalia ITV
O Instituto Teotônio Vilela (ITV), em sua Carta de Formulação e Mobilização Política, traz nesta quinta-feira (28) uma preocupação sobre o processo de privatização dos aeroportos brasileiros. A proposta foi anunciada pelo governo após o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelar que o Brasil corre risco de não concluir as obras de revitalização dos principais terminais das cidades que sediarão a Copa do Mundo de 2014. “O modelo pode resultar num monstrengo em que ao contribuinte restará pagar a conta. Desconfia-se que o PT, viciado pelas décadas de cacoete antiprivatista, não saiba como agir”, avalia o documento. Leia a íntegra abaixo:
Ninguém sabe ao certo o que esperar da proposta do governo de privatizar os aeroportos do país. A intenção – correta – foi anunciada pelo ministro-chefe da Casa Civil numa sessão solene, a primeira reunião do Conselhão, ocorrida anteontem. Mas os detalhes, onde o diabo se esconde, só serão conhecidos nas próximas semanas ou meses. O modelo pode demorar mais do que o desejável para sair e pode, também, resultar em um monstrengo em que ao contribuinte restará pagar a conta.
Possivelmente, a privatização dos terminais magnetizará a atenção da opinião pública nos próximos meses. O assunto interessa à classe média que hoje pena nos nossos caóticos aeroportos. Interessa a companhias e empresas atraídas por negócios bilionários. Interessa ao governo, doido para se livrar do ônus dos atrasos e da má organização que hoje impera no setor sob a égide da Infraero, mastodonte de 20 mil funcionários.
O foco atual recai em especular qual, ou quais, sistema será adotado pelo governo Dilma Rousseff. Por ora, conhece-se apenas o elogiável propósito de fazer as concessões, que, especula-se, podem vir por meio de distintos modelos de exploração. Mas desconfia-se que o PT, viciado por décadas de cacoete antiprivatista, claramente não saiba como agir. Aí é que mora o perigo: o governo tende a improvisar onde não cabe.
Uma empreitada desta envergadura destina-se a ser um marco na evolução econômica do país. Como aconteceu, por exemplo, nas comunicações. O governo de Fernando Henrique Cardoso percebeu a exaustão do decadente modelo estatal e partiu para enfrentar o desafio de alterá-lo.
Diante da constatação, montou um arcabouço legal abrangente e criterioso. Tudo foi feito com metas de qualidade e atendimento, incumbências aos investidores. O resultado foi uma verdadeira revolução, não só no setor como na economia como um todo. Onde estaríamos hoje sem celulares e internet – cuja expansão o governo federal agora quer novamente avocar para si, mas cuja implementação foi, mais uma vez, adiada ontem?
A mudança no setor aéreo exige fôlego semelhante. É preciso instituir-se um marco legal que exprima regras claras e estáveis para que o investimento venha, mas, principalmente, para que o usuário tenha seus direitos respeitados na forma de atendimento de qualidade. Mas, na pressa com que se vê obrigado a agir, o governo federal poderá acabar atendendo um dos interesses, mas relegando o outro.
Por ora não se sabe, por exemplo, se as concessões abrangerão somente a construção de terminais de passageiros ou também pistas e áreas de estacionamento. Não se sabe se irão estender-se às estruturas já existentes nos aeroportos ou apenas às novas expansões. Sabe-se apenas que agora o governo quer fazer tudo rápido, para tentar remediar a lambança das deficiências que já existem e de atrasos que se avizinham.
Não foi por falta de aviso que os problemas nos aeroportos vicejaram. A oposição sempre defendeu a exploração privada como melhor alternativa para o bom funcionamento dos terminais aéreos do país. Disse isso com todas as letras na campanha eleitoral do ano passado. O mesmo PT que então achincalhou a proposta apresentada agora a acolhe. Fosse honesto, pediria desculpas aos eleitores que enganou.
Resta a dúvida de como o cristão novo se comportará na missa. Premido pela pressa, o governo tende a lançar mão de remendos. Em lugar de terminais duradouros, os puxadinhos, como preveem os planos atuais da Infraero. Na mais provável das hipóteses, o custo irá às alturas: quando se paga com urgência, como na situação à qual a inércia e os dogmas do PT nos conduziram, o preço sai bem mais caro.
O governo promete soltar os editais referentes às concessões dos cinco principais aeroportos brasileiros – Cumbica (SP), JK (DF), Confins (MG), Viracopos (SP) e Galeão (RJ) – até julho. Pelo grau de improviso que se viu até hoje, pode ser que não consiga: em São Gonçalo do Amarante (RN), primeiro aeroporto concedido à iniciativa privada no país, a Casa Civil levou seis meses para publicar o decreto com o modelo a ser adotado, primeiro passo do cronograma; até hoje a licitação ainda não saiu.
É bom ficar atento ao que o governo federal fará doravante. Bem administrados, aeroportos tendem a ser excelente negócio – só a exploração comercial das instalações já produz receita de monta para as empresas que os operam. O risco maior é o filé ir para as empresas e o osso sobrar na mão do Estado, que, a depender do arcabouço montado, ainda pode arcar com custos de obras, manutenção e melhoramentos em vários aeroportos. De boas de intenções, o inferno está cheio.
Fonte: ITV.
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