Economia
Leniência com a inflação está sendo incorporada por todo o governo com as bençãos de Dilma, diz ITV
Em sua carta de formulação e mobilização política divulgada nesta sexta-feira (18), o Instituto Teotonio Vilela (ITV) critica a forma como a gestão petista vem lidando com a alta de preços. “Dilma Rousseff diz acreditar que o problema da inflação no país está relacionado à alta dos preços dos alimentos no mercado internacional. A presidente da República está chancelando uma visão equivocada da realidade. Desde o ano passado, a equipe econômica – dela e de Lula – tem defendido a mesma tese. Neste meio tempo, os preços só subiram. A leniência com a inflação está sendo incorporada por todo o governo, agora com bênçãos explícitas da chefe”, diz trecho do documento intitulado “Dilma piscou para a inflação”, cuja íntegra está disponível abaixo.
Dilma Rousseff caiu na lábia de Guido Mantega. Assim como o ministro da Fazenda, ela diz acreditar que o problema da inflação no país está relacionado a fatores mundiais, mais especificamente à alta dos preços dos alimentos no mercado internacional. Vê fumaça, mas não sabe onde está o incêndio.
Dilma abriu as portas do gabinete presidencial ao Valor Econômico para dizer ao mundo econômico que está atenta à escalada de preços. Para usar um dos vocábulos de preferência dela, não “tergiversa” com o assunto. Manifestou sua profissão de fé de que inflação e crescimento econômico não colidem. A entrevista foi publicada na edição de ontem do jornal.
“O que não é possível é falar que o Brasil está crescendo além da sua capacidade e que, portanto, tem um crescimento pressionando a inflação. O mundo inteiro, na área dos emergentes, está passando por isso. Houve um processo de pressão inflacionária que tem componente ligado às commodities e, no Brasil, tem o fator inercial”, defendeu ela.
A presidente da República está chancelando uma visão equivocada da realidade. Desde o ano passado, a equipe econômica – dela e de Lula – tem defendido a tese de que a inflação é passageira, porque resultante de elevações temporárias nos preços das commodities agrícolas. Neste meio tempo, os preços só subiram: quem mais acerta no mercado já vê a alta acima de 6% neste ano, mostra o mais recente Boletim Focus.
Basta ter olhos para ver que a disparada dos preços não tem se concentrado apenas nos alimentos ou em aumentos sazonais, como os reajustes de mensalidades escolares e passagens de ônibus. Na realidade, dissemina-se por dois terços dos produtos da cesta usada pelos institutos de pesquisa para calcular o custo de vida.
No caso dos serviços, a escalada é evidente. Em média, estes preços exibem alta de mais ou menos 11% nos últimos doze meses. Trata-se de setor que não tem nada a ver com mercados além-fronteiras ou em pregões em que se negociam commodities mundo afora. Com seus reajustes, os prestadores – a manicure, o encanador, o dentista – simplesmente reagem à maior procura por seus serviços.
Tudo indica que há excesso de demanda, sim, na economia brasileira, principalmente em razão do aumento dos salários, que continuam expressivos. Ontem, o Dieese divulgou que em 89% dos acordos salariais feitos em 2010 os trabalhadores obtiveram aumento acima da inflação do período. É a maior proporção da série histórica iniciada em 1996.
Custa acreditar em inflação sob controle quando crédito, salários e consumo crescem em ritmo muito acima do PIB. Nem o guardião da moeda comunga da visão de Dilma. Ontem, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, afirmou que ainda existem elementos na economia brasileira “que apontam para um descompasso entre as taxas de crescimento da oferta e da demanda”, segundo o Valor.
Alguns exemplos de fatores que colaboram para este descompasso são a forte criação de empregos formais no primeiro bimestre e a surpreendente alta do Índice de Atividade Econômica do BC – que subiu 0,7% em janeiro sobre dezembro. Com o mercado de trabalho crescendo, mantém-se elevada a confiança do consumidor e a demanda não arrefece, como é preciso neste momento.
O que se vê é que a economia continua em ebulição, em temperatura muito além do que a própria presidente da República considerou prudente, conforme manifestou quando saíram os resultados do PIB de 2010. O BC já aumentou os juros, baixou suas medidas de restrição ao crédito, mas o corte nos gastos públicos até agora não passou de uma carta de intenções.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, foi direto ao ponto, em declaração publicada na edição de hoje de O Globo: “Não há esforço real em trazer a inflação para 4,5% e pela primeira vez essa leniência parece ser integralmente aceita por todo o governo. O governo está sendo leniente. Não é culpa de uma ou outra parte. Mas no fundo a responsável final por isso é a presidente”.
O que tem ocorrido é que, por mais que o governo diga que age, os prognósticos para a inflação só pioram. Se Dilma considerou que ela própria tinha que vir a público defender a austeridade, é porque percebeu que seu governo vem perdendo a batalha das expectativas junto aos formadores de preço. Com a entrevista dela ao Valor, os humores na economia deverão ficar ainda mais azedos. E aí o fogo já terá se alastrado.
(Fonte: ITV)
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