Artigo
Cocaína, prisão, educação
Os desafios para combater o tráfico são imensos e exigem tanta coragem e esforço quanto para que avancemos em políticas educacionais
Mara Gabrilli (*)
Patricia e Funani são sul-africanas. Karima é marroquina; Rodora, filipina; Ligia, moçambicana; Ireri, mexicana; Hadja e Jéssica são francesas. Estão cumprindo pena em São Paulo por tráfico de drogas.
Fui apresentada a elas pelo secretário de Estado da Cultura, Andrea Matarazzo, por meio de um projeto cultural da Funap (Fundação de Amparo ao Preso) nas penitenciárias. Falei de superação e cidadania para 120 presas enquanto a ocupação do Complexo do Alemão no Rio dominava as manchetes dos jornais.
Essas estrangeiras refletiram sobre liberdade e sobre serem prisioneiras de suas escolhas de modo tão profundo que percebi uma enorme diferença de acesso à educação em relação às brasileiras.
Não que ir à escola impeça as escolhas erradas, mas favorece, sim, a reinserção social.
O Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), a avaliação educacional mais relevante do mundo, procura medir também a capacidade dos estudantes de refletir, argumentar e comunicar. A mais recente, divulgada no início de dezembro, apontou uma melhora na educação brasileira, porém ainda ocupamos a 53ª posição em leitura e ciências e a 57ª em matemática, em ranking de 65 países.
A leitura é a habilidade mais valorizada. Para ter a nota mais alta, o estudante deve combinar múltiplas e diferentes partes de informações independentes, de contexto não familiar, em ordem precisa. Só 1,4% dos alunos atingiram esse nível.
E ali estava a francesa Hadja, presa em uma penitenciária no Brasil, que resumiu minha palestra para algumas sul-africanas que não dominavam o português e que se queixaram de que haviam perdido muito do conteúdo.
Compreendeu e sintetizou diante de todos uma explanação em uma língua que não é a sua e a traduziu para um terceiro idioma. A França ocupa a 22ª posição no Pisa.
Pergunto-me o que leva pessoas talentosas como Hadja, que podem ter outras oportunidades, a violar seus corpos, carregando cocaína dentro deles. Segundo a Polícia Federal, desde 2008 as prisões por tráfico de drogas no Aeroporto Internacional de Cumbica aumentaram 253%. Em 2010, a ONU apontou o Brasil como o principal corredor de cocaína do mundo.
Em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, a violência imposta pelo narcotráfico faz com que as crianças moradoras das favelas tenham mais problemas de aprendizagem do que seus colegas que não moram em áreas de risco. Mas são essas as crianças que mais precisam das oportunidades da educação para sair da pobreza.
Os desafios para combater o tráfico nas cidades e nas fronteiras são imensos. Exigem tanta coragem e esforço quanto para avançar em políticas para uma educação universal e de qualidade. Ambos são complexos, multifacetados e vitais para melhorar a qualidade de vida, especialmente dos mais excluídos.
Por isso, aguardo com ansiedade conhecer as medidas que serão tomadas pelo novo governo, já que há muito a ser feito e a investir nessas áreas no Brasil.
(*) Mara Gabrilli, psicóloga, publicitária, é vereadora de São Paulo pelo PSDB e deputada federal eleita. Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 30 de janeiro de 2011. (Foto: divulgação)
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