Tiro no escuro


Governo quer fazer leilão do trem-bala mesmo sem ter certeza do custo da obra, alerta ITV

Leia abaixo estudo do Instituto Teotonio Vilela (ITV) sobre a polêmica construção do trem-bala brasileiro. O governo Lula pretende dar início ao processo licitatório daqui a uma semana, apesar de não existir nenhum dado confiável sobre o preço da obra e nem mesmo sobre a viabilidade econômica desta modalidade de transporte.

Um trem acelerado e desgovernado

Na próxima segunda-feira (29) o governo Lula pretende dar início à concorrência que poderá resultar na construção do bilionário trem-bala brasileiro. A mais cara obra já realizada no país está sendo imposta goela abaixo à sociedade, que poderá ter de arcar com um papagaio de monstruosas proporções. Não faltam razões para frear este trem desgovernado.

Pelo cronograma oficial, as propostas serão entregues na próxima segunda-feira e o leilão acontecerá em 16 de dezembro, no apagar das luzes da atual gestão. São insistentes os apelos para que o governo suspenda o certame, por uma razão tão singela quanto escandalosa: não há uma única pessoa que possa afirmar quanto, efetivamente, a obra custará.

Quando foram divulgadas as primeiras ideias relativas ao trem de alta velocidade (TAV), há pouco mais de dois anos, o governo estimava seu custo em R$ 19 bilhões. Pelo que estipula o edital da obra, ela sairá por R$ 33,1 bilhões – ou seja, 70% mais do que se previa. Mas possivelmente o trem-bala custará muito mais.

O consórcio que realizou os estudos para o governo não incluiu no valor as estimativas de gastos com contingências, ou seja, aquilo que não está previsto nos projetos iniciais da obra. A literatura especializada indica que, na experiência internacional, projetos de infraestrutura de transporte costumam sair, em média, 45% mais caros que a projeção inicial. Só por este parâmetro teriam de ser despendidos mais R$ 15 bilhões.

Em sua edição desta semana, a revista Veja informa que os primeiros levantamentos da Halcrow, que fez os estudos do TAV, projetavam custo total de R$ 63,4 bilhões. Mas no documento final as despesas com contingências foram suprimidas a mando do governo federal (como explicitado pelo próprio consórcio no relatório) e o valor caiu pela metade.

Não foram só os gastos contingentes que foram varridos para debaixo do tapete. Os projetistas da Halcrow também deixaram de fora de sua avaliação custos com indenizações, aquisições de terrenos e reparações ambientais – que não deverão ser irrelevantes, uma vez que o traçado corta áreas de mata atlântica na Serra do Mar e terá 199 km de pontes e viadutos. Para completar, o TCU informa que só 4,4% dos estudos mínimos de geologia foram finalizados até agora.

A despeito deste emaranhado de incógnitas, o governo do PT defende com unhas e dentes que o projeto avance a toque de caixa. Diz que se trata de empreendimento privado e, por isso, não haveria perdas para o erário. Qual o quê! O TAV já nasce estatal até a medula.

A medida provisória nº 511, editada no último dia 5, autoriza a União a garantir financiamento de até R$ 20 bilhões à empresa concessionária do TAV por meio do BNDES. Também franqueia subvenção de até R$ 5 bilhões para a concessionária na forma de redução da taxa de juros se houver frustração de receita bruta – ou seja, demanda abaixo da estimada.

Esta é uma hipótese para lá de provável. Calcula-se que o volume mínimo de viagens para cobrir apenas os custos operacionais (sem considerar a recuperação do investimento) está em torno de 20 milhões/ano, mas a demanda estimada para o TAV é de apenas 6,4 milhões/ano.

O meu, o seu, o nosso dinheirinho também será usado para criar uma estatal dedicada exclusivamente ao empreendimento, a Etav. Nela serão aportados R$ 3,4 bilhões, o que equivale ao dobro do investimento público feito em ferrovias no país nos últimos dez anos, conforme análise feita pelo Instituto Teotônio Vilela em julho.

Tudo considerado, o capital privado responderá por apenas 20% do valor global do empreendimento. Não satisfeito, Lula já pôs a faca no pescoço dos fundos de pensão para que eles entrem no negócio. Até agora apenas um grupo privado coreano tem se mostrado inclinado a entrar no leilão, mas seu currículo não é dos melhores: sob sua responsabilidade, a construção do trem-bala entre Seul e Busan levará 20 anos para ser terminada.

Segundo se noticia, a presidente eleita teria dado aval à realização imediata do leilão. É um erro que custará muito caro às futuras gerações se não for corrigido. Na MP recém-editada, o próprio governo admite que está diante de “empreendimento de grande vulto que envolve incertezas por parte dos empreendedores em potencial”. Deveria, portanto, redobrar a cautela; alternativas há.

O Ipea estima que, com o que se pretende gastar com o TAV, daria para construir 10 mil km de ferrovias, expandindo em um terço a nossa malha atual. Alternativamente, seria possível instalar 300 km de metrô nas regiões metropolitanas, beneficiando 15 milhões de pessoas por dia. É gente que precisa urgentemente de transporte público de melhor qualidade, ao contrário dos possíveis usuários do TAV – cujas tarifas serão as mais altas do mundo.

Se, ainda assim, a preferência for mesmo por uma linha férrea ligando as duas maiores cidades do país, também há opções mais adequadas. A experiência internacional mostra que é possível construir uma ferrovia convencional, para operar com velocidade de 160 km/h, gastando de 25% a 60% do custo do TAV, de acordo com brilhante estudo feito pela Consultoria do Senado.

Uma vez iniciado, este é um projeto sem volta, dadas as proporções e as cifras envolvidas. Torna-se um caso típico de algo grande demais para quebrar e, nestas condições, seguirá em frente sangrando o bolso dos contribuintes brasileiros por décadas. Ainda há tempo de brecar esta insanidade cometida em alta velocidade, sabe-se lá por quais interesses do PT.

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22 novembro, 2010 Últimas notícias 1 Commentário »

Uma resposta para “Tiro no escuro”

  1. Jorge de Azevedo Pires disse:

    Insanidade é pouco para qualificar a aventura do TAV, que é uma sofisticação do transporte interurbano unicamente de passageiros. Tanto a Comunidade Européia, como os Estados Unidos da América do Norte possuem grandes malhas ferroviárias de qualidade e operando com efeciência há muitos anos. Equivocadamente, o Brasil abandonou totalmente o que tinha de ferrovias, reduzindo-as a escombros e sucata, privilegiando o transporte rodoviário, sem mesmo ter boas rodovias em grande parte do seu território. Obra faraônica de custos estratosféricos desconhecidos, sem garantia de retorno econômico e social. Com tantas carências de infraestrutura e toda ordem, como ainda, no caos do transporte aéreo, caos nos portos, na educação, na saúde, na moradia, na segurança, etc. Caos econômico com endividamente interno monstruoso. É uma total inversão de prioridades para atender a pequena parcela da população nacional, entretanto, onerando gerações que terão que pagar a conta. Não será a maior negociata do SÉCULO XXI? Os Jogos Panamericanos havidos no Rio de Janeiro ficaram mais de sete vêzes além do orçamento previsto! Chega de megalomania e aventuras a custa da sofrida população; encaremos as suas reais e inadiáveis necessidades resolvendo os problemas básicos e essencias – depois, sim pensemos no TAV!

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