Política da ficha-limpa, por Marcelo Itagiba


(*) Marcelo Itagiba

É revoltante a circulação pelas ruas de criminosos que, mesmo condenados, até por assassinatos, conseguem o direito de recorrer em liberdade das sentenças confirmadas pela segunda instância da Justiça, inclusive se aproveitando para reincidir em suas práticas delituosas enquanto aguardam o julgamento de recursos procrastinatórios.

Mas é igualmente inadmissível a presença de quem tem ficha-suja em cargos eletivos do Poder Público, ou seja, que esteja condenado por lesar a administração pública e a economia popular ou cometer, entre outros, os crimes de lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e homicídios. As duas situações de impunidade ameaçam a ordem constituída.

O bandido comum, que comete crimes portando pistola ou fuzil, apavora a população do país acuada com as elevadas taxas de roubos e homicídios.

Por sua vez, o criminoso que detém poder político utiliza o mandato como escudo (foro privilegiado) para se manter impune e como arma para praticar a corrupção, sangrando os cofres públicos e levando à morte milhares de pessoas que dependem do Estado para ter saúde, saneamento e habitação.

As garantias do estado democrático de direito e da segurança pública nacional exigem mudanças legislativas. Por isso, o Congresso Nacional tem o dever de votar projetos imprescindíveis à manutenção da ordem e da democracia.

Tais como o Ficha-Limpa, que impede a candidatura de quem esteja condenado, e a PEC 130, que acaba com o foro privilegiado, levando à primeira instância da Justiça, para onde vão todos os cidadãos comuns, quem comete crimes no exercício do mandato.

Para evitar que condenados recorram em liberdade quase que indefinidamente — em alguns casos, até a prescrição de suas penas —, há duas propostas na Câmara Federal, por mim elaboradas, que objetivam impedir a presença dos criminosos comuns nas ruas e cujos efeitos afastariam os fichas-sujas da política. Defendo o início da execução provisória da pena privativa de liberdade a partir da confirmação da condenação pela segunda instância da Justiça.

O projeto de lei n° 4.658 altera a Lei de Execução Penal (LEP), substituindo a expressão “trânsito em julgado” por “duplo grau de jurisdição” como trâmite a partir do qual se iniciará a execução provisória da pena. A inclusão definitiva do réu no rol dos culpados, porém, só ocorrerá com o julgamento do último recurso possível.

A outra proposta é a PEC n° 372. Ela modifica a redação dos artigos 102 e 105 da Constituição Federal, para evitar que as sentenças proferidas pela primeira instância e confirmadas pelos colegiados sejam suspensas pelos recursos extraordinário e especial concedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

As decisões do STF e do STJ deixariam de ter efeito suspensivo e passariam a ter caráter estritamente devolutivo, aliás, conforme já estabelece a lei, embora as duas cortes superiores a interpretem de forma diferente. Ou seja, haveria somente o retorno às instâncias inferiores, para correções necessárias, dos processos cujos julgamentos tiverem desrespeitado, de alguma forma, as leis federais e a Constituição Federal, sem que houvesse, no entanto, a suspensão da execução provisória da pena.

Com as mudanças, ficarão em sintonia a Carta Magna, a LEP e o Código de Processo Penal (CPP), que já prevê o início da execução da pena antes do trânsito em julgado da condenação, mas tem a sua aplicação impedida, segundo as duas altas cortes, pelo estabelecido na LEP, que proponho ser alterada.

Todos devem ter direito, como garantia fundamental, ao duplo grau de jurisdição. Mas, ao mesmo tempo, não devem dispor de recursos, quase que intermináveis, que protelem o início da execução provisória das penas e gerem sensação de impunidade.

É possível impedir a circulação de condenados nas ruas e a entrada dos fichas-sujas na política, compatibilizando o duplo grau de jurisdição, a presunção de inocência, a execução antecipada da pena e a necessidade de trânsito em julgado para se declarar definitivamente a culpabilidade do agente.

Na democracia em Atenas, a corrupção era um dos crimes que justificavam que um magistrado eleito fosse denunciado na Assembleia do Povo e por ela condenado.

(*) Marcelo Itabiga é deputado federal pelo PSDB-RJ. Artigo publicado no jornal “O Globo” em 23/04/10. (Foto: Eduardo Lacerda)

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23 abril, 2010 Artigosblog Sem commentários »

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